Folia na sala de aula: tema Carnaval pode ser trabalhado de maneira transversal nas escolas

            Carnaval é tempo de festa, folia, mas também pode virar tema de reflexão e estudo nas salas de aula. Enquanto uma das manifestações culturais mais autênticas e populares do País, o Carnaval pode e deve fazer parte dos conteúdos curriculares. Diversidade cultural, herança africana, folclore e questões de gênero e raça são alguns dos múltiplos aspectos que podem ser discutidos a partir da data. 
            Além disso, relacionar a festa aos temas trabalhados em sala de aula facilita o aprendizado, na medida em que o Carnaval está presente no cotidiano dos alunos, na mídia e na comunidade. "É preciso que a escola trabalhe a cultura local presente no território em que ela se encontra, fazendo essa relação dos conhecimentos locais com os globais", explica a líder do projeto Reorientação Curricular de Goiás, Meyri Venci Chieffi.
            É importante ressaltar, no entanto, que esse diálogo só é possível se o tema for abordado de maneira aprofundada. "Muitas vezes, o Carnaval não entra como objeto de estudo, ampliação de conhecimento, mas apenas como lazer", explica. "Muitas escolas ficam presas a essa preocupação de marcar as ‘datas comemorativas' e trabalham a questão de maneira muito superficial, desligada do contexto de vida do aluno", acredita a líder do projeto Entra na Roda, Maria Alice Armelin. 
            Em Aracaju (SE), o Carnaval integra o projeto pedagógico da Escola Municipal de Educação Infantil Maria Clara Machado desde 2002, servindo como gancho para discussão de dois grandes temas trabalhadas pela escola o ano inteiro: gênero e raça. "São questões de urgência social. Nosso bairro ainda é muito racista e temos crianças que apresentam ranços de preconceito racial", afirma o coordenador pedagógico da escola, Acácio Freire. 
            O tema também é desenvolvido de forma lúdica nas aulas de arte, quando os alunos confeccionam as suas próprias fantasias. Está presente nas aulas de língua portuguesa e matemática, quando são utilizadas letras de marchinhas e sambas-enredo em atividades de leitura e escrita ou para trabalhar formas e cores. "Como nessa época só se fala em Carnaval, nas ruas, na tevê, o aprendizado surge de algo significativo, de interesse social dos alunos, o que faz com que ele ganhe sentido", explica Freire.
            As atividades relacionadas ao Carnaval culminam em uma grande festa, na sexta-feira que antecede a data, quando os 350 alunos, professores e pais desfilam no Bloco Maria Clara Machado, que é acompanhado pela banda afro Axé Kizumba, composta por integrantes da comunidade local.
            Para os alunos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Coronel Domingues de Castro, de São Luíz do Paraitinga (SP), a 170 km da capital, a festa é um dos momentos mais marcantes do ano, atraindo milhares de turistas em busca do autêntico carnaval de rua. "Procuramos resgatar e valorizar esses costumes locais e explicar aos alunos o porquê da existência de diferentes carnavais", conta a coordenadora pedagógica da escola, Marli Coelho Pires da Silva.
            Todas as crianças conhecem as marchinhas e as letras e imagens da folia são material de estudo nas diferentes disciplinas. "Nas aulas de matemática, por exemplo, pegamos fotos do bloco do Juca Teles, que é bastante tradicional da cidade e se caracteriza pela presença de alguns adereços, como cartolas e guarda-chuvas, e pedimos aos alunos que identifiquem e contem esses elementos", explica Marli.

Relação simbiótica
            Na Escola de Ensino Fundamental Comandante Garcia D'Ávila, localizada no Parque do Peruche, zona norte de São Paulo, a comunidade escolar mantém uma relação muito simbiótica com as escolas de samba do bairro (Unidos do Peruche, Império da Casa Verde e Morro da Casa Verde). Foi graças a essa integração que a escola deixou de ser conhecida como "maloquinha" para se tornar um lugar bem cuidado, limpo, um ponto de encontro da comunidade.
            O responsável por essa transformação responde pelo nome de Waldir Romero. Quando assumiu a direção da Garcia d'Ávila, em 1995, deparou-se com uma instituição que enfrentava problemas de todas as ordens: de aproveitamento escolar (evasão, absenteísmo, repetência), de uso de drogas, de indisciplina. Para vencer a resistência dos alunos, Romero aproximou-se das escolas de samba do bairro, pois percebeu a influência dos líderes desses espaços na comunidade. Atividades educativas passaram a ser desenvolvidas nas quadras das escolas de samba e vice-versa. O samba passou a fazer parte do dia-a-dia da escola, durante as aulas e no contraturno. A história e as personalidades do bairro foram resgatadas. Desenvolveu-se assim um sentimento de pertencimento à comunidade entre os alunos.
            No ano passado, por exemplo, a comissão de frente da Gaviões da Fiel realizou seus ensaios na Garcia D'Ávila. A Velha Guarda da Casa Verde comemorou seu aniversário lá. A confecção das fantasias dos alunos que desfilam também foi feita na escola. Os professores foram conhecer o barracão da Peruche. No ano retrasado, uma aluna da escola ganhou concurso de rainha da bateria. Dois ex-alunos, que aprenderam a tocar cavaquinho e violão em um curso dado na própria escola, concorreram e ficaram entre os finalistas do concurso de samba-enredo da Peruche.
            Em função da revolução que promoveu na escola, Romero ganhou em 2006 o título de Educador do Ano do Prêmio Educare. Hoje não está mais à frente da direção da escola, mas o trabalho que iniciou continua. Em busca de novos desafios, foi aprovado em um concurso público e tornou-se supervisor de escolas em Heliópolis. "Ele vai trabalhar vestindo a camiseta da Peruche", conta o atual diretor, Pedro Paulo Puodzius.  Apesar disso, Romero segue freqüentando a Garcia D'Ávila e tornou-se diretor cultural da Peruche. "Na escola, alfabetiza-se pelo samba e pela arte", afirmou em entrevista ao Cadernos Cenpec n.2..
Artigo publicado no Portal Cenpec


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