Carnaval de Porto Alegre - 1881 - Esmeralda e Venezianos (O Século, Porto Alegre, 1881). |
Celebrando o sesquicentenário do carnaval veneziano em Porto Alegre, nosso tema de hoje é o nascimento de Esmeralda e Venezianos. Fundadas em março de 1873, essas agremiações foram as primeiras a desfilar com seus carros alegóricos pelas principais ruas da cidade (conheça o trajeto), além de realizar bailes, burlesco e de gala, exclusivamente para seus sócios.
A fim de dar uma nova cara à folia carnavalesca, Esmeralda e Venezianos pretendiam acabar com o entrudo e instituir o que era considerado o Carnaval, uma festa com os ares da modernidade. Buscava-se a troca da brincadeira tradicional, por outra considerada mais moderna e civilizada. Inspirada em modelos europeus, ela já era praticada na Corte e em outras cidades da província de São Pedro do Rio Grande do Sul e, em Porto Alegre, esmeraldinos e venezianos, filhos da “boa gente”, seriam os condutores dessa reforma de costumes.
O carnaval porto-alegrense nasceu de uma bomba d’água, que o entrudo traiçoeiro, penetrando nas trincheiras que os irmãos Masson (Leopoldo e Luiz) haviam construído em um sobrado à Rua dos Andradas, em 1870, irrigando a mangueira aos transeuntes.Um caixeiro da botica Luiz Masson, que ficava por baixo do sobrado onde se achavam os irrigadores, á cavaleiro de qualquer investida, deu entrada por uma porta falsa, que havia na escada, a qual só ele conhecia, a uma legião de entrudeiros, comandados pelo coronel Joaquim Pedro Salgado.O assalto foi realizado de surpresa e a provisão d’água existente no sobrado, serviu para inundar a casa toda, deixando os entrincheirados como pintos depois das enxurradas. A água atravessando o assoalho e forro do piso inferior irrigou as prateleiras da farmácia Masson, estragando muitas coisas.O caixeiro após a espetagem deu as de vila logo, para escapar da indignação do patrão.Na quarta-feira de cinzas, o saudoso Amadeu Masson (pai) aconselhou a formação de uma sociedade para sustar o entrudo.Nasceu então a Esmeralda, criada pelos esforços do Sr. Leopoldo Masson, que, como joalheiro, foi o seu padrinho. E logo apareceu o emulo Os Venezianos, tendo sido o primeiro carnaval um extraordinário sucesso. O entrudo foi coibido e de ano em ano foi menos jogado até que desapareceu aquele brinco bárbaro e brutal que era sempre acompanhado de crimes (O Independente, Porto Alegre, 06 de fevereiro de 1910).
O nascimento do carnaval de Porto Alegre, de acordo com a narrativa do jornal O Independente, teria se dado por causa de prejuízos financeiros que as brincadeiras do entrudo teriam causado. Amadeu Masson teria aconselhado a criação de sociedades carnavalescas a fim de “sustar o entrudo”. Seu filho, Leopoldo Masson, assim o fez, criando a Esmeralda Tanto Amadeu, quanto Leopoldo chegaram a presidir a Esmeralda, em 1877 e 1880, respectivamente.
Do mesmo modo, a criação dos Venezianos contou com a colaboração do coronel Joaquim Pedro Salgado, que teve destacada participação no episódio citado acima, ao liderar uma legião de entrudeiros no ‘assalto’ à trincheira da casa Masson. Salgado foi o primeiro presidente dessa sociedade. De acordo com a narrativa, ambas as sociedades seriam “filhas do entrudo”: Leopoldo Masson que, galhardamente, molhava a todos os transeuntes de sua ‘trincheira’ fundou a Esmeralda; e Salgado, que tomara de assalto à casa Masson e encharcara os irmãos, teria ajudado na criação da Venezianos.
Em várias cidades do Brasil o entrudo era “considerado uma prática arcaica de comemorar os festejos dos Dias Gordos e pouco condizente com as aspirações de modernidade manifestadas no país” (SILVA, 1997, p. 186). Caracterizado como o grande inimigo da civilização, a bárbara tradição era uma feia nódoa para a cidade. A tradição, identificada com os modos de ser do passado, enraizados nos hábitos e costumes – refletida no entrudo –, passara a ser considerada inconveniente, grosseira e selvagem. Por conseguinte, deveria ser trocada pela inovação burguesa - o desfile de jovens ilustres em seus carros decorados - que representaria o avanço tecnológico e, fundamentalmente, comportamental, dos habitantes da cidade, rumo ao progresso. Segundo Touraine (1998), no século XIX, a ideia de progresso era entendida como uma nova etapa da evolução humana. Ao sair do plano das ideias e sob o uso da razão passou a organizar o todo social: políticas públicas, formas de organização do trabalho, atividade de lazer, como por exemplo, as maneiras de se brincar o carnaval. E “nesse frenesi civilizatório não havia espaço às práticas sociais consideradas ‘grosseiras’ e ‘sujas’ como o velho entrudo” (SILVA, 1997, p. 186). Era preciso construir uma nova imagem ideal para o carnaval.
SILVA, Zélia L. O Carnaval dos anos 30 em São Paulo e no Rio de Janeiro (de festa de elite a brincadeira popular). Historia, São Paulo, v. 16, 1997.
TOURAINE, Alain. Crítica à Modernidade. Petrópolis: Vozes, 1998.