Uma Visão dos Outros Carnavais: do sec.XVII ao XIX 

Diego Cavalcanti Vieira (Orientando)[1]
Robson Costa (Orientador)

Resumo: Será que de fato, algum dia, durante os 4 dias ( ou mais ) de carnaval, no auge  da nostalgia, alguém chega a pensar como essa festa, que hoje arrasta multidões, chegou ao nosso país? Essa festa foi sempre festa?
Qual o propósito primeiro do carnaval? O que ainda restou dos  outros carnavais? Este trabalho, baseado em pesquisas bibliográficas, tem como objetivo discutir essas e outras questões levantadas, acerca dessa festa hoje tão popular e brasileira, mas que teve sua entrada no Brasil através do entrudo, um carnaval português tão violento que chegava-se até a jogar panelas de barro nas pessoas no meio da festa.Quando essa festa chega em nosso país grupos políticos, do sec. XVII, tentam coibir a violenta diversão.Também abordaremos o lado social do carnaval no sec. XVII, as lutas de classes e também a idéia de se usar o carnaval como válvula de escape para a vida cotidiana.Enfim, problematizar a respeito do tema levantando o questionamento de se existem muitas diferenças dos carnavais do sec. XVI e XVII para os que hoje presenciamos.

Palvras-chave:Entrudo; subalternos; renascimento.

Abstract: Many people leave in the streets during the four days of carnival, but the majority of them does not know at least  as this party, since always so popular in Brazil, arrived brazilian lands. The present work has as objective to elucidate a little of the origins of these other carnivals, as much in Brazil as in the world, showing in  a ampler vision the changes of this party, that before was called heathen and today it serves as half to gain money and as exhaust pipe for a society that, in the case of the brazilian, lives oppressed.

Keywords: Opressed; eathen; exhaust pipe.


Haja vista que o Brasil foi um pais que entrou para a historia mundial somente com a chegada de Cabral as terras tupiniquins, não negando que antes alguns aventureiros aqui tenham “acampado” por uns tempos, e importante salientar que a maior diversidade cultural que vemos hoje adveio de outras nacionalidades mais antigas na historia secular. Dentre elas esta o carnaval, que entra aqui no Brasil por volta do século XVI, mas que tem suas origens não muito bem definidas.[2]
Também podemos falar do mundo Grego com suas festas pagãs promovidas pelo deus Dionísio, festas estas que eram cheias de danças, atividade sexual intensa ( o que não e muito diferente de hoje em dia ) e alto consumo de bebidas.Essas comemorações eram feitas pelas classes trabalhadoras que encontravam neste mecanismo uma maneira de “cano de escape” para as opressões pelas quais passavam em seu dia-dia.Eram nesses períodos que os sonhos dessas pessoas se tornavam realidade.A cidade se enchia de igualdade, liberdade e diversão.Segundo BOFF:Antecipava-se a grande utopia política da humanidade: o encontro, pelo caminho da festa e  do inconsciente coletivo [...].Segundo esse mito, originalmente não havia classes, nem leis, nem prisões; todos viviam em plena liberdade, em justiça, paz, superanbundancia e alegria com irmãos e irmãs em casa. Essa memória bem aventurada nunca foi perdida na consciência da humanidade, ate os dias de hoje – seja projetada no passado, a ser resgatada, seja no futuro a ser construída.Essa utopia mobiliza movimentos, cria ideologias e alimenta o imaginário dos seres humanos que não se cansam de sonhar com o futuro reconciliado e integrado da sociedade humana. (BOFF, 2002, p. 65-66 ).
Considerando esses dados, podemos afirmar que o carnaval teve seu inicio nestas festas pagãs, criadas pelas classes trabalhadoras que sempre viviam em  opressão.Esse era o ideal que esses subalternos buscavam na festa, mas nem sempre isso foi assim. Essa celebração também tinha outros ideais. Nas suas origens o carnaval tinha também um sentido mais voltado para a luta de classes do que realmente para a saudosa festa que temos hoje.Essa luta de classes muitas vezes chegava, realmente, a ser uma luta real entre pessoas, algo que se tornou comum na Europa do séc. XVI e XVII. Essa violência era gerada pela insatisfação política e social dos populares que a realizavam, em prol de melhores condições de vida. Essa violência era reprimida pela igreja que usou de diversos meios para acalmar os ânimos dos reivindicadores, como por exemplo, ainda na Idade Media, instituindo o período conhecido como quaresma, que seria os quarenta dias de purificação da alma, após se cometer tantos pecados.Mas, como vemos, isso não fez muito efeito, pois ainda assim, alguns séculos depois da instituição da quaresma, vemos carnavais muito violentos acontecendo por grande parte da Europa.
Mas nem só de violência “brincavam” os carnavalescos. Era uma festa onde se via muito consumo de bebidas alcoólicas, alem de uma atividade sexual desmedida, sem restrições.Uma celebração cheia de brincadeiras, algumas violentas e outras não, e repleta de comida.Tanto que ate a idéia de como seria o carnaval personificado em homem, e idealizado um moco gordo, promiscuo e cheio de comida espalhada pelo corpo.As pessoas se fantasiavam, profanavam, brincavam, brigavam  e assassinavam nos dias onde a terra era de ninguém e as leis não existiam.Segundo o pensamento de Claude-Levi-Strauss, o carnaval seria uma representação do “mundo virado de cabeça para baixo”, uma ordem institucionalizada, um conjunto de rituais de inversão, onde as fantasias contribuíam e muito para a realização dessas idéias, acontecendo, por exemplo, de uma pessoa pobre se fantasiar de “patrão” e insinuar dar esmolas aos ricos.Era uma inversão de todos os conceitos.Essa tentativa de inverter o mundo era considerada para as classes altas como atitudes de desordem, caos e desgoverno.Somente por volta do século XVIII e que  o carnaval na Europa começa a tornar-se mais civilizado,  segundo o conceito dos nobres da época, tendo seus divertimentos mais  “saudáveis” e menos perigosos, como disputas de corrida, bailes a fantasias ( muito correntes na nobreza ) e desfiles de fantasias que não tinham mais um caráter social e sim de elegância e charme.Essa mudança provavelmente se causou por influencia do Renascimento.O carnaval Europeu atingiu seu apogeu na época do romantismo, no inicio dos anos de 1800.Essa “glamour” que o carnaval passou a ter, foi mais realizado na Franca e na Itália, paises como os da Europa Central e Portugal não realizavam suas festas dessa maneira.
Tomando o exemplo de Portugal, que e o que vai nos interessar daqui para frente, este pais não aderiu a este tipo elegante de carnaval pela pouca influencia que o Renascimento teve neste pais.O carnaval realizado pelos lusos, se encontrava muito mais violento e sujo.Nas ruas as pessoas participavam de verdadeiras lutas, jogando ovos crus, farinha, milho, feijão, fuligem, areia, doces ou qualquer tipo de objeto que estivesse ao seu alcance, desde utensílios domésticos ate ferramentas de trabalho.Esse violento carnaval português era chamado de entrudo ( do latim introitus , que significa, entrada, começo ).Só pelo fim do século XIX e que foi implantado em Portugal os bailes de mascaras em clubes freqüentados pela elite, com cortejos de carros alegóricos.Mas, foi este carnaval, violento, que aportou no Brasil pouco depois da chegada de Cabral.
Sendo o carnaval uma festa que se iniciou em nosso pais no período chamado de Brasil colônia[3], época em que tivemos várias festas eclodindo na colônia portuguesa, sendo as primeiras de caráter bastante religioso, iniciadas pelos jesuítas, que muitas vezes se aproveitavam desses festejos para perderem um pouco de sua perfeição e santidade e encararem o pecado de perto, situação muito bem explicada por Tinhorão em seu livro As Festas no Brasil Colônia ( TINHORAO, Cap 1 ). Assim que o entrudo aporta em nossas margens, a elite tenta fazer com que essa festa não seja tão violenta, como era o caso em Portugal, deixando assim somente a classe nobre participar das brincadeiras, até por que pobres e escravos não poderiam participar uma vez que não poderiam revidar. Isso, pelo menos, era o que tinha sido estipulado pelos seus senhores, mas que muitas vezes não era cumprido.
Certamente alguns senhores se aproveitavam do ensejo par dar algumas bofetadas em seus escravos, que com o passar do tempo, não agüentavam mais e acabavam por participar osmoticamente da festa, mais pelo motivo de vingança e luta social, do que pela brincadeira. No fim do século XVIII para o inicio do XIX já havia certa tolerância com relação às manifestações populares, inclusive, permitindo os escravos de se divertirem.
Mas, como dizem tudo que e bom dura pouco, e foi o que aconteceu com essa benevolência dos patrões para com seus escravos e para com as camadas populares. Devido a crise do século XIX no Império ( a crise da passagem do Império para a Republica ), a participação das camadas subalternas no entrudo, passou a ser recriminada e perseguida por policiais, com a alegação de desordem e violência.Isso ocorreu devido a crise que causou certa instabilidade nas classes dominantes, que ficaram amedrontadas e enrijeceram a intolerância as praticas populares.E a partir daí que surgem leis, com forte apelo ideológico, para reprimir as manifestações populares.A partir desse momento busca-se introduzir no Brasil o “civilizado  carnaval veneziano”, com seus saudosos e glamourosos bailes de mascaras. Posteriormente foi introduzido o corso ( desfile de carros ), onde se jogavam limões de cheiro, feitos artesanalmente, de cera com tinta e água perfumada.Naquelas ocasiões a elite procurava ostentar fortuna, prestigio e tentava excluir as classes subalternas das brincadeiras.
Mas como os populares já tinham participado da comemoração uma vez seria muito difícil deixarem para trás, ate mesmo por que viam nesta festa um escape para a opressão em que viviam e uma maneira de se vingarem e lutarem pelos seus direitos. Era o retorno da festa como luta de  classes.
Assim, de diversas maneiras, a elite tenta implantar seu carnaval veneziano, mas isso não e conseguido de maneira fácil. Agora estava criado o confronto dos mascarados elitistas com os entrudeiros ( classes subalternas ), que agora, mais do que antes, continuavam jogando porcarias em cima dos desfiles de corsos realizados pela classe alta da sociedade brasileira. Desse momento em diante o entrudo passa a ser associado intimamente as classes populares, uma vez que a elite não mais se misturava com aqueles, como acontecia no século
Em nosso estado, ou anteriormente capitania, o carnaval também aconteceu se iniciando pelo típico entrudo português. E necessário observar também que, desde o inicio, existiam dois tipos de entrudo: Nas cidades e vilas, os jogos de entrudo se realizavam em dois lugares específicos e socialmente diferenciados entre si: o espaço publico e o espaço privado.Ao publico, correspondiam as batalhas travadas nas ruas, praças e chafarizes, onde predominavam negros e negras, escravos ou forros e, também, os homens de pequeno comercio.O espaço privado limitava-se aos interiores dos sobrados patriarcais e as casas térreas, moradas da gente miúda.Entre esses universos sociais, a comunicação, quando ocorria, estabelecia-se num clima carregado de tensões, e troca, só era possível dentro de determinadas regras. ( ARAUJO, 1996, p. 125 ).
As estratégias para se evitar o entrudo e extingui-lo davam-se através de uma pratica educativa, ética e principalmente religiosa, que tinham a intenção de proporcionar uma mudança de comportamento, ou uma contenção deste comportamento. Como essas medidas não estavam sendo levadas a serio  foi-se necessário utilizar a dolorosa coerção, por meio de violência, aplicada fortemente pelo Estado, proibindo o entrudo e colocando-o sob vigilância da policia. Coibido o carnaval popularesco, começava-se a serem implantados, no Recife, os famosos bailes de mascaras, originários da Europa. Araujo ( 1996 ) mostra que o primeiro baile de mascaras realizado no Recife aconteceu no ano de 1845, no bairro da Madalena, local de grande nobreza na época, repleto de casarões suntuosos.Cerca de cinco anos depois esses bailes realizados dentro dos portões dos casarões passam a ser realizados em teatros, ate se chegar no momento em que os mascarados tomam conta das ruas do centro da cidade, realizando seus desfiles de corsos.Foram esses mascarados, e não qualquer outra lei repressiva, ética ou religiosa, que deram incentivo as pessoas de deixarem o velho entrudo para trás e começarem a participar dessa gostosa brincadeira, que de mal não havia nada.E a partir daí que surgem os confetes, as bombas de lançar água de cheiro, serpentinas, jetones ( bombons presos em tiras de papel colorido ), alem de fantasias que mudassem o visual do individuo.Mas para essa idéia se efetivar a coisa não foi fácil como se mostra.
Como o carnaval da elite era realizado dentro de casarões, para não se misturarem aos pobres, as ruas eram destinadas as classes subalternas, e tudo estava bem dividido. Mas a partir do momento que esse carnaval dos mascarados toma as ruas da cidade inicia-se um confronto: enquanto a elite saia com seus carros todos enfeitados, e cheio de fantasias, as classes populares saiam a pé, sem fantasias, sujos, sem instrumentos, batendo em latas, e tentando intimidar os mascarados para uma brincadeira mais violenta.
Esta e a visão que temos desses carnavais, que se iniciaram em tempos imemoriais, e que hoje fazem parte da vida de pessoas do mundo inteiro e, principalmente, do Brasil. Seja no samba, no maracatu ou no frevo, a verdade e que essa festa já esta enraizada na nossa cultura e muitas vezes pode levar o individuo a pensar que foi criada aqui, por ser tão diferente hoje dos carnavais que encontramos no mundo, em especial o de Recife, que ainda trás consigo algumas marcas dos carnavais de dois séculos atrás, pelo lado positivo ( as fantasias, as mascaras, as brincadeiras ), ou pelo lado negativo ( revivendo um pouco do entrudo, com lançamentos de água suja nas pessoas, depredação dos ônibus, violência,assassinatos e etc. ).

Bibliografia:
ARAUJO, R. de C.B. de Festa: mascaras do tempo: entrudo, mascarada e frevo no carnaval do recife.Recife:Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1996.
BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano  – compaixão pela terra.8.ed.Petropolis: Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
LIMA, C. M de A. R. Historia do carnaval. Recife: Prefeitura da Cidade / Secretaria de
Turismo, 1998. Edição Especial.
TINHORAO, J. R. As Festas no Brasil Colonial. São Paulo: Editora 34, 2000.
NOVAIS, Fernando A.”Condições da privacidade na colônia”. IN: NOVAIS, Fernando A. (org ).Historia da Vida Privada, Vol 1, São Paulo, Companhia das Letras, 1997.

Artigo publicado em Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-87459-57-2 I Colóquio de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco, UFRPE, Recife, Pernanbuco, Brasil. Brasil e Portugal: nossa história ontem e hoje De 3 a 5 de outubro de 2007

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[1] Graduando, UFRPE.
[2] Muitos estudiosos remontam ao Egito Antigo as primeiras celebrações carnavalescas, com as festas realizadas na margem do rio Nilo para comemorar a fertilidade e colheita das primaverasI Colóquio de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, Recife, Pernambuco, Brasil.
[3] Termo erroneamente usado e criticado pelo historiador Fernando Novais, no livro Historia da Vida Privada no Brasil, onde ele prefere usar o termo América portuguesa, haja vista que os nossos gritos não eram ouvidos.

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