Sérgio Luiz
Gadini[1]
Sem
qualquer pretensão de (re)contar a história do
carnaval, o texto que segue faz um recorte em manifestações desta que é
uma das mais reconhecidas festas populares do País, a partir de grupos
masculinos que, em desfiles de rua ou em clubes fechados, fazem referência ao
gênero feminino, seja pelo nome de identificação, objetos ilustrativos ou situações que envolvem o
cotidiano da mulher brasileira.
Não
se trata de um estudo histórico, e tampouco sociológico, mas um ensaio que tem
por base o nome (referência de identificação) de alguns grupos ou blocos
carnavalescos, em diferentes cidades brasileiras que fazem alguma alusão ao
universo feminino tendo por base o ano de 2010. A amostra é aleatória,
considerando algumas cidades, onde tais práticas se tornaram corriqueiras em
momentos de carnaval.
Vale
dizer, para efeito introdutório, que o presente ensaio não visa atacar nem
unificar tais manifestações em um único e simples rótulo (preconceituoso ou
não), mas indicar aspectos que, considerando variáveis e elementos históricos,
podem ser melhor compreendidos. Isso, claro, em nada livra as dimensões
preconceituosas que dizem respeito ao universo feminino brasileiro. A busca de
uma caracterização histórica, seja quanto ao carnaval quanto ao sentido do riso
(cômico) em festas populares, justifica o esforço de contextualização de tais
práticas, que já registraram outros formatos e objetos temáticos.
Breve
história das festas (de carnaval) populares
As
referências históricas em torno do carnaval já dispõem de inúmeras
contribuições, seja na forma de estudos conceituais ou descrições de casos e
experiências, que registram a pluralidade de expressões e modos de ser fazer
esta que, hoje, é reconhecida, em diferentes lugares do mundo, como uma das
maiores festas populares, industrializada ou não por grandes corporações de
mídia e da cultura.
Uma
destas referências é do pernambucano Luiz Beltrão, que discute o caráter folkcomunicacional
das festas populares. Para Beltrão (1980), as mais antigas civilizações já
celebravam alguma forma de manifestação carnavalesca. Ou, em variados formatos,
tinham um momento em que “os papéis sociais se invertiam, caíam as barreiras
dos preconceitos, afrouxavamse os laços que, no cotidiano, criavam a contenção
e o comedimento”, diz Beltrão, lembrando que, “sob máscaras e fantasias, sob os
efeitos do vinho, da música e da agitação ambiental, os indivíduos se sentiam
livres para dizer e fazer quanto as normas do convívio social lhes vedavam no
tempo comum” (p. 87).
Ao
contar a história do carnaval brasileiro, Ferreira (2004, 11) observa que o
atual cenário do setor resulta de “diversos discursos que, ao longo dos últimos
150 anos, vem sendo lentamente elaborado através de variadas disputas de poder.
Elite, povo, governo, folcloristas, jornais, rádios, gravadoras, televisão,
capitais, periferias, Rio de Janeiro, Salvador, escolas de samba, trios
elétricos, Recife, São Paulo e frevos são alguns dos muitos atores envolvidos
na construção de um significado para a grande festa nacional”.
Conta
a história que, já “na Grécia Antiga, alguns ritos, como os da iniciação de
jovens para a integração com a vida adulta, já incluíam pessoas mascaradas e
fantasiadas”, explica Ferreira. “Em Esparta, os meninos eram treinados para se
tornarem cidadãos através de exercícios que terminavam numa grande mascarada
onde, por algumas horas, o comportamento era o oposto ao da vida adulta”. E,
“fantasiados de mulher, de velho ou de sátiro, os rapazes realizavam encenações
obscenas ou humorísticas, com muita bebedeira e cantorias” (Ferreira, 2004,
18).
Homem
se vestir de mulher para desfile também já foi prática conhecida no Egito
Antigo. Diz a lenda que “uma numerosa multidão enchia as ruas da cidade desde o
início da manhã para assistir ou participar da procissão em honra à deusa. A
comemoração era aberta por pessoas com disfarces variados como os de soldado,
caçador, gladiador, magistrado, filósofo ou mesmo homens travestidos de
mulher...” (Ferreira, 2004, 19).
A
invenção do carnaval teria sido da própria Igreja Católica, em 604, pelo Papa
Gregório I, ao determinar que um período do ano “os fiéis deveriam deixar de
lado a vida cotidiana para, durante um certo número de dias, dedicarem-se
exclusivamente às questões espirituais” (Ferreira, 2004, 25). Em 1091, o
primeiro dia da quaresma é nomeado de “quarta-feira de cinzas” e, pois, nos 40
dias seguintes “os fiéis deveriam se privar dos prazeres da vida material e
dedicar-se a elevar seu espírito a Deus e a meditar sobre Cristo e sua
ressurreição, que seria festejada no fim da Quaresma, no domingo de Páscoa”
(p.26). Forjou-se, assim, o hábito de fazer “festas nos dias imediatamente anteriores
ao longo período de abstinência”. É daí que surge a expressão carnaval:
Carnelevarium, caramentran, carnisprivium, carnelevare ou carnelevamem são
alguns dos termos que designam as festas carnavalescas. O que há em comum, nas
diferentes manifestações, é a manutenção atualizada de hábitos das festas
pagãs, brincadeiras, danças e o uso de máscaras e fantasias.
A existência de grupos organizados para se
divertir no carnaval remonta ao mesmo período medieval. Em diferentes povoados
europeus, dos primeiros registros constata-se que tais grupos (na forma de
'sociedades', clubes ou blocos) a referência era “critica e comentar as
relações entre os casais da cidade ou bairro onde se encontravam”, operando
como 'denúncia' de situações que não aparentavam práticas sociais habituais.
“Um de seus alvos eram as viúvas e os casamentos realizados entre pares
considerados desproporcionais entre si”. Esses exemplos envolviam casos, hoje
comuns, como “um homem muito velho com uma mulher muito nova, ou um homem muito
gordo com uma mulher muito magra, ou uma mulher muito pobre com um homem rico”.
Em geral, os grupos organizavam “cortejos passavam em frente à casa escolhida, momento em que se realizava
uma espécie de panelaço, batendo-se em caçarolas e sacudindo-se sinos na direção
do lar dos 'pobres' esposos”. Tais brincadeiras, que deviam mesmo ser
agressivas e discriminatórias, eram denominadas “charivaris ou assuadas”
(Ferreira, 2004, p.37).
O
preconceito de gênero, de alguma forma, parece marcar parte da história de
brincadeiras carnavalescas, onde se buscava diversão pela 'eleição' de atores a
ser ridicularizados. Assim, “com o crescimento do teatro de rua, no final da
Idade Média, muitas das sociedades alegres passaram a representar peças ou
esquetes, frequentemente difamatórios, durante os dias de Carnaval, nos quais
os 'cornudos' eram um dos principais temas”, explica Ferreira (p.37).
Trazido
ao Brasil pelos colonizadores portugueses, com base nas festas de entrudo, o
carnaval foi aos poucos adquirindo contornos próprios, passando por adaptações
que tentavam conviver, de um lado, com as brincadeiras (agressivas, muitas
vezes) dos pobres e escravos pelas ruas da cidade e, por outro lado, com o
esforço das elites lusitanas da Casa Grande por festas apropriadas ao gosto e
estilo da nobreza. Com o crescimento das cidades brasileiras, o carnaval também
adquire traços regionais, de acordo com ritmos musicais, grupos de colonização
diferenciada, até a gradual 'industrialização' festiva, registrada a partir de
meados do século XX, com o fortalecimento dos desfiles de ruas, a partir da
então capital federal (Rio de Janeiro), que se torna a referência carnavalesca
nacional, já nas primeiras décadas (1900), com suas influências híbridas e
reinvenções criativas dos blocos e escolas cada vez mais profissionais.
Riso,
máscaras e representações carnavalescas
Ao
apresentar o contexto da cultura popular na Idade Média, Bakhtin (2002) observa
que pelos seus gestos e hábitos (ritualísticos e cômicos), os festejos do
carnaval “ocupavam um lugar importante na vida do homem medieval”. Assim, “além
dos carnavais propriamente ditos, que eram acompanhados de atos e procissões
complicadas que enchiam as praças e as ruas durante dias inteiros,
celebravam-se também a 'festa dos tolos' (festa stultorum) e a 'festa do asno';
existia também um 'riso pascal' (risus paschalis) muito especial e livre,
consagrado pela tradição” (Bakhtin, 2002, p.4).
Ao
retomar situações históricas que ilustram a presença do riso, Bakhtin (2002)
lembra que “no folclore dos povos primitivos encontra-se, paralelamente aos
cultos sérios (por sua organização e seu tom), a existência de cultos cômicos,
que convertiam as divindades em objetos de burla e blasfêmia ('riso ritual');
paralelamente aos mitos sérios, mitos cômicos e injuriosos; paralelamente aos
heróis, seus sósias paródicos” (p.5). Mas, “durante o carnaval é a própria vida
que representa, e por um certo tempo o jogo se transforma em vida real. De
acordo com o autor (p.7), essa é a natureza específica do carnaval, seu modo
particular de existência”.
Segundo
Bakhtin (2002, p.10), “as formas e símbolos da linguagem carnavalesca estão
impregnados do lirismo da alternância e da renovação, da consciência da alegre
relatividade das verdades e autoridades no poder. Ela caracteriza-se,
principalmente, pela lógica original das coisas 'ao avesso', 'ao contrário',
das permutações constantes do alto e do baixo ('a roda'), da face e do
traseiro, e pelas diversas formas de paródias, travestis, degradações,
profanações, coroamentos e destronamentos bufões”.
As
manifestações carnavalescas também são marcadas pela presença do grotesco. Na
leitura de Bakhtin (2002, 18), “no realismo grotesco, a degradação do sublime
não tem um caráter formal ou relativo. O 'alto' e o 'baixo' possuem aí um
sentido absoluta e rigorosamente topográfico”.
Enquanto
alto seria a dimensão celeste (o céu), o baixo seria o mundo terreno, talvez
mais próximo de uma dimensão 'mundana'. E, em seu aspecto corporal, “o alto é
representado pelo rosto (a cabeça), e o baixo pelos órgãos genitais, o ventre e
o traseiro”. A produção de “imagens grotescas” seria, assim, um modo de expor
aspectos 'mundanos', limitados talvez, mas 'não perfeitos', na medida em que
demandam evolução, em mudança, para um cenário ideal ('alto' ou quem sabe
'divino').
Deste
modo, na esteira de François Rabelais, Bakhtin (2002, p.22) identifica nas
expressões grotescas um lado mais rude, 'feio' para a estética medieval
dominante, que mantém uma “natureza original” e diferenciada das situações
cotidianas habituais e, portanto, teriam espaço de manifestação em momentos
lúdicos, como as festas e o próprio carnaval. Em relação ao corpo humano, por
exemplo, as produções representativas buscariam de um visual “desfigurado”,
disforme e, em certo sentido, monstruoso, em geral apresentado pelo exagero,
caricatura forçada e bizarro. É aí que o 'grotesco' encontra espaço nas
festividades carnavalescas. Corpos fisicamente deformados são imagens da
escultura que ilustram o lado grotesco e contrastam com um padrão estético de
beleza que foge ao habitual, visível e
exposto no dia-a-dia, mas projetam ao mesmo tempo a passagem da própria
condição humana de perenidade, ainda que não divinamente idealizada. É a
ambigüidade que marca a expressão grotesca (seja clássica, medieval ou
moderna).
Mas,
vale ponderar, a imagem grotesca não é exclusividade medieval, pois pode ser
encontrada “na mitologia e na arte arcaica de todos os povos, inclusive na arte
pré-clássica dos gregos e romanos”. Essas expressões, embora relegada nas artes
oficiais, ainda assim encontráveis em peças artesanais de miniatura, cerâmica,
máscaras cômicas, estatuetas e demais objetos e expressões literárias que
integram as artes na história humana.
Por
isso, é relevante retomar a origem do termo grotesco. “Em fins do século XV,
escavações feitas em Roma nos subterrâneos da Termas de Tito trazem à luz um
tipo de pintura ornamental até então desconhecida. Foi chamada de grottesca,
derivado do substantivo italiano grotta (gruta)”, explica Bakhtin (2002, p.
28). Nas diferentes tendências das décadas e séculos seguintes (entre XVII e
XVIII), o grotesco também vai registrar variações em suas feições, de acordo
com tendências e características dos formatos artísticos (commedia dell'arte,
comédia de Molière, romances cômico ou filosóficos, etc).
O
uso da máscara também registra uma explicação histórica. Para Bakhtin (2002), a
máscara traduz a alegria das alternâncias e das reencarnações, a alegre
relatividade, a alegre negação da identidade e do sentido único, a negação da
coincidência estúpida consigo mesmo; a máscara é a expressão das
transferências, das metamorfoses, das violações das fronteiras naturais,
da ridicularização, dos apelidos; a
máscara encarna o princípio de jogo de vida, está baseada numa peculiar inter-relação
da realidade e da imagem, característica das formas mais antigas dos ritos e
espetáculos (p.35).
Como
se pode perceber, as variadas estratégias de expressão popular, tendo por base
alguns elementos já utilizados em festas carnavalescas, indicam a escolha de
modos de representação que podem ser reconhecidas, guardadas as proporções, nas
atuais manifestações do carnaval brasileiro, a partir das referências de alguns
grupos existentes em cidades brasileiras
(em 2010), que fazem referência ao universo feminino.
Grupos
carnavalescos masculinos tentam representar (ou imitar) a mulher
O
pesquisador da cultura popular, Roberto Benjamin, uma das referências dos
estudos em Folkcomunicação no Brasil, discute as imitações femininas no
livro Folguedos e Danças de Pernambuco
(1989). “O homem se vestir de mulher tem várias conotações, a mais corrente e,
ao mesmo tempo, a mais inadequada é a que sugere a homossexualidade,
ridicularinzando-a”, explica. Mas, há outros folguedos em que a figura do
travesti comparece, na maioria dos casos porque, nas suas origens e por muito
tempo, a mulher não participava dos folguedos. Ela era substituída por homens
caracterizados de mulheres. E ainda é assim no folguedo Cavalo-marinho, uma
variante pernambucana/paraibana do bumbameu-boi (ocorrente na zona da mata norte
de Pernambuco e zona da mata sul da Paraíba), onde são representadas por homens
as figuras da pastorinha e das damas do baile dos galantes. A situação limite
da mulher também é representada pela figura da 'catirina', do cavalo-marinho
(uma pescadora que se apresenta grávida). Hoje, essa figura da catirina compõe,
também, o folguedo carnavalesco maracatu rural (disseminado na zona da mata de
Pernambuco e Paraíba e ocorrente também nas cidades das regiões metropolitanas
do Recife e de João Pessoa). (BENJAMIN[2],
2010).
Benjamin
lembra que existem outras manifestações onde aparece a figura do 'travesti',
como o folguedo carnavalesco das 'cambindas': “variantes autônomas das festas
de reis negros, que acontecem nas cidades pernambucanas de Ribeirão, Pesqueira
e Triunfo. Também há 'cambindas' na Paraíba, nas cidades de Taperoá e Lucena”.
Oportuno, aqui, é destacar a constatação de que a ausência da mulher em algumas
manifestações festivas poderia ter motivado o homem a representá-la, ao seu
modo, pelo uso de roupas e adereços femininos (batom, calçado, anágua, rouge,
dentre outros). “Em diversos grupos de diferentes folguedos os papéis femininos
são desempenhados por homens; a mulher é proibida de participar”, diz Benjamin.
Conforme o autor, “trata-se de uma tradição muito antiga presente em
civilizações muito diferentes - na Grécia Antiga, na Inglaterra ao tempo de
Shakespeare (Período Elizabetano), no Japão atual”. Geralmente, em tais situações, “os papéis femininos são
desempenhados por rapazes, quase sempre adolescentes imberbes, que vestem
trajes femininos. A presença desta forma de travesti é sempre um sinal de
tradicionalismo do grupo e de antigüidade do folguedo”, completa.
Benjamin
(1989) esclarece o assunto, diferenciando
“os travestis dos grupos folclóricos tradicionais, das outras formas
comuns de travesti, mais tipicamente urbanas, que se vêm nos carnavais e em
outras ocasiões”. Para o autor, seriam duas situações bem diferentes: “o
travesti que busca a completa semelhança com a mulher, com quem se identifica
psicologicamente e o outro que caricata a mulher por deboche, em situações que
o machismo tipifica como humilhantes e ridículas do papel social da mulher”.
A
ausência de referências bibliográficas que poderiam indicar contextualmente o
uso de representações femininas em festas populares, entretanto, também é
apontada como uma dificuldade para avançar em uma história mais esclarecedoras
de tais situações. Limite este que também marca o presente ensaio. Algumas
mudanças nos papéis de representação festiva, contudo, são indiciais de outras
transformações sociais, envolvendo crenças, valores morais e mesmo espaço real
na vida cotidiana por diferentes setores ou grupos de gênero.
É
possível conferir através dos nomes dos blocos, as formas de referência ao
universo feminino. O foco da apresentação que segue em torno do nome de tais
grupos deve-se a dois motivos. Em um primeiro aspecto pela limitação, de acesso
à informação contextual dos blocos e, em segundo, porque o nome (valeria o
mesmo para o título de um periódico ou logomarca de um produto) é a imagem
primeira e referencial de um grupo que tenta forjar uma identidade. Seria,
assim, o 'cartão' de apresentação de um ator. E, pois, sem muito esforço, é um
importante código do que se pensa e indica com tal escolha.
Na
capital paraibana (João Pessoa) são três os blocos que participam da folia de
rua, desfilando com homens vestidos de mulheres: as Virgem de Tambaú, Viúvas da
Torre e as Virgens de Mangabeiras. O bloco 'Viúvas da Torre', por exemplo, registra
um histórico no carnaval de rua paraibano, com 17 de existência, tem hino
próprio (oficial) e dispõe de estrutura de trio elétrico queacompanha os
desfiles. O bloco foi criado, em 1993, por um grupo de amigos que se encontrava
para beber, em uma antiga mercearia (do seu Zé Faustino) do bairro da Torre, em
João Pessoa. Na origem, cinco homens se fantasiaram de preto, levando o boneco
de um defunto pendurado em uma rede (era a alegoria do bloco). Logo o grupo
ganhou adesão de outras “viúvas” e a brincadeira ganhou as ruas no carnaval
local.
A
descrição que Jéssica Callou faz (em texto publicado no Recanto das Letras,
18/02/2006), do bloco as “Virgens de Tambaú” sintetiza a ação do grupo.
Conforme a autora, o carnaval pessoense teria na sexualidade seu ponto mais
forte. “Só que nós aqui fomos mais inteligentes: em vez de lotar os meios de
comunicação com bundas, lotamos as ruas da cidade com criaturas bizarras,
conhecidas por 'virgens de Tambaú'”, diz.
Essas
moças são, nada mais nada menos, do que rapazes. Isso mesmo. Uma vez por ano, e
só 1,os homens de João Pessoa libertam seu lado feminino (que juram ser
“sapatão”), acordam mulheres mesmo e botam as fantasias pra fora, junto com as
pernas peludas em minissaias provocantes
(...) Você vê homens imensosapertados em roupas microscópicas, barrigões
brancos saltando para fora de shortinhos, garrafa vazia de refrigerante de 2L
(daquelas de plásticos) imitando seios, gritos falseteados, unha pintada,
camisolinha do piu-piu... Os acessórios são variadíssmos. Os temas, também:
seja batgirl, odalisca ou tiazinha, só não vale, aqui, ser homem. (CALLOU,
2006)
Nas
Minas Gerais encontra-se, por exemplo, os blocos as 'Mimosas', em Congonhas, o
'Mamãe virei bicha', de Belo Monte, o 'Banda Santa', de Belo Horizonte. Também
nas Gerais, em Juiz de Fora, tem o bloco das "Domésticas de Luxo",
considerado um bloco tradicional, em que homens se vestem de mulher e ainda se
pintam de preto. Em municípios da região, existem outros blocos com prática
similar, denominados como 'as virgens' e as 'piranhas', que contam com a
presença não exclusiva de homens.
Em
São Luís (MA), existem grupos que mantêm o hábito de desfilar com homens
vestidos de mulher. Entre os quais, pode-se citar os blocos 'A Bandida',
'Boneco Guelo', 'As Piranhas', 'Los Perequitos', 'As Cuquetes', o 'Unidos das
Feiras Como Que...”, o 'Máquina de Descar Alho' e 'As Melindrosas'. Já no
interior do Rio Grande do Norte tem, também, 'As Virgens', de Caicó (RN).
Em
Corumbá, no Mato Grosso do Sul, participam do carnaval local o bloco 'Chana
Cheirosa', que desfila com homens travestidos (casados ou não). Ainda no Grande
Pantanal, no interior do Mato Grosso, município de Acorizal, próximo de Cuiabá,
um grupo carnavalesco denomina-se 'Bloco das Piranhas”. Em uma perspectiva similar,
na cidade de Santos (SP) tem o 'Bloco da Dorotéia', que mantém uma tradição
bastante semelhante aos demais casos descritos. E na cidade de São José do
Barreiro, interior de São Paulo, um grupo conhecido no carnaval local chama-se
'Bloco das Arrependidas'.
No
município da Lapa, região metropolitana de Curitiba, embora não tenha carnaval
de rua, há o desfile das "bonecas", como atração tradicional nos
clubes da cidade, com a mesma estratégia de atração em que a principal
característica é de homens vestidos como mulheres. Ainda no sul do País, na
capital catarinense (Florianópolis), o termo que apresenta o bloco em que os
homens se vestem como mulheres, é mais pejorativo e, talvez, igualmente ambíguo. Chama-se 'Bloco dos
Sujos', e seus integrantes saem pelas ruas do Centro da Cidade em época de
carnaval.
E,
por fim, a tradicional irreverência do carnaval d' Olinda (PE) tem como uma de suas referências o bloco 'As Virgens de
Olinda', que sai em desfile uma semana antes da data oficial do carnaval. Fundado
em 1953, 'As Virgens de Olinda' conta apenas com homens no grupo e, cada ano, o
tema escolhido busca refletir situações cotidianas, como política, novela,
saúde, educação, dentre outros aspectos ou problemas sociais. Informações da
cidade (da pesquisadora Betania Maciel) dão conta de que a adesão ao 'Virgens
do Olinda' foi tamanha que, com apenas 10 anos de existência, houve uma
dissidência, que resultou na criação do bloco 'As Virgens de Verdade', que
desfila duas semanas antes da abertura do carnaval. Ao que tudo indica,
contudo, as referências ficaram mais no nome, embora tais grupos mantenham,
ainda hoje, apenas homens entre suas personagens, que mantém o hábito de ser
vestir como mulheres.
Considerações
Finais
Além
dos casos citados, existem, nas mais diferentes regiões e estados do País,
muitos outros em que pessoas, em geral homens, se organizam em blocos para
participar do carnaval, tendo por referência se fantasiar como mulheres. Nessas
situações, o uso de roupas, calçados, perucas e demais objetos são usados
habitualmente para tentar imitar o universo feminino.
Se
considerar a tradição carnavalesca, em que as máscaras e fantasias objetivam
'sair' da normalidade cotidiana, e situam, por alguns momentos, os atores em
diferentes papéis sociais, confundindo relações previsíveis, pode-se dizer não
haveria problema que o homem representasse a mulher. E tampouco o contrário.
Embora, o mais recorrente seja o homem se apresentar como mulher.
No
entanto, o problema é que, em muitas destas situações, os próprios nomes já
trazem marcas de uma representação preconceituosa, mesmo que na pretensão da
brincadeira e do propósito descontraído de uma inversão de papéis. Nos
desfiles, o apelo às eventuais crises histéricas, como se fosse habitual ao
comportamento feminino é outra recorrência visível nas representações de tais
grupos carnavalescos.
Oportuno
destacar o modo como os grupos, ao acionarem recursos do grotesco, da ironia e
do exagero, característicos da festa popular do carnaval, produzem
representações de mulheres e traduzem estereótipos de gênero. Virgens, freiras
e prostitutas oscilam entre as imagens das mulheres no carnaval, projetando
elementos presentes no imaginário social que ridicularizam os ‘papéis sociais’
atribuídos às mulheres.
Essa
história de brincadeiras carnavalescas, portanto, mantém um sentido e efeito
ambíguo: por um lado, exercita o uso da máscara e da fantasia como dispositivo
de lazer festivo e, de outro aspecto, tende a exagerar nas próprias
representações, como se o universo feminino – um pouco próximo das provocações
medievais a atores que não se
enquadravam em comportamento 'normalizados' – fosse motivo a ser imitado.
Como
o era alguma pessoa excessivamente magra ou gorda, com alguma diferença em seu
organismo físico. Tais ambigüidades de representação, por seu próprio objetivo,
são importantes, na medida em que impulsionam manifestações festivas do
carnaval, mas poderiam levar seus atores a (re)pensar algumas estratégias de
apelo que, eventualmente, podem ser entendidas como descaracterização da
pretendida condição de igualmente universal entre todos os grupos e gêneros
humanos.
Referências
Bibliográficas:
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comemora-seus-quinze-anos-neste-domingo/
“Debutantes: bloco ‘Viúvas da Torre’ comemora seusquinze anos neste domingo”
(24/01/2008)
http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/113594 - “Descrevendo as virgens de Tambaú”. Por
Jéssica Callou. Texto publicado no Recanto das Letras em 18/02/2006.
www.pousadapeter.com.br/index_virgens.htm
www.olinda.pe.gov.br/carnaval-de-olinda/virgens-de-verdade-fazem-a-festa-em-olinda
Artigo publicado em Fazendo
Gênero 9, Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, 23 a 26 de agosto de 2010.
[1] Professor
de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR) e do Ms em
Comunicação da UFPR, dr em Ciências da Comunicação. E-m:
sergiogadini@yahoo.com.
[2] Informação
exclusiva, escrita por Roberto Benjamin, a partir de consulta on line feita
pelo autor (Gadini), entre maio e junho de 2010.Faça SEO. CursoSEO na Prática.