Comemorando os festejos do carnaval de Porto Alegre publicamos uma matéria do jornal A Federação de 1914. Era Porto Alegre, há cem anos, caindo na folia! Conheça um pouco mais a respeito da história do carnaval de Porto Alegre!
O início da quadra da loucura
Começaram,
ontem, as festas populares do carnaval em Porto Alegre.
E
bem populares que elas são.
Cremos,
mesmo, que é este o curto período áureo em que a nossa população em peso
esquece ou faz por esquecer as preocupações e pesares do resto do ano, sai para
a rua, álacre e ruidosa para divertir-se a seu modo, não olhando despesas e
fadigas.
Pensava-se
que, á vista das dificuldades de toda ordem de que a vida, no momento presente,
está por toda a parte cercada, tivéssemos um carnaval descolorido, pálido, mal
enjambrado; e, no contrário disso, o que se viu, desde sábado a noite foi o
mesmo prazer estonteante de sempre, reinando soberano, em todas as camadas
sociais, nivelados pela máscara e pelo dominó.
Tanto
é certo que essa festa, genealogicamente presa às tradições pagãs, inveterou-se
nos nossos costumes e que ninguém resiste mais ao impulso de prestar-lhe culto.
Afinal,
o povo tem razão.
São
tão curtos os momentos da existência em que se pode rir sem apreensões e
galhofar com desafogo, que os três dias de carnaval aparecem no céu negro da
luta como uma clareira da luz e frescura, que se deve aproveitar com frescura.
Três
dias de riso, de loucuras, de pilherias e galhofas: depois o arrastar contínuo
do fardo da existência, com todos os seus espinhos.
Como
a capital da República, Porto Alegre rende ao carnaval um culto todo especial,
incluindo a parte mais seleta da nossa sociedade, como o demonstra o entusiasmo
com que o belo sexo concorre aos bailes das sociedades e aos préstitos
alegóricos que elas põem nas ruas todos os anos.
É
um fervet opus [ferve o trabalho] contínuo de muitas semanas antes, uma
emulação que não esmorece e um ardor que não conhece limites.
E,
naturalmente, esse esforço ininterrupto que transforma logo o aspecto da cidade
engalana-a, insufla-lhe vida nova, embora momentânea e, pelo contágio inflama
os mais pacatos e misantropos.
Ontem,
desde muito cedo, a Rua dos Andradas, destinada a ser perenemente o campo de
batalha dos apologistas de Momo, revestia os aspectos dos grandes dias. O
público premia-se ali como sardinha em tigela, zombando do calor, que era
sufocante, e do temporal que parecia vir próximo, e, no final, degenerou no
fiasco de algumas gotas de chuva, que não deram para refrescar a temperatura.
Á
noite, graças a abundante e bem disposta iluminação, mandada instalar
especialmente para os três dias de carnaval pela Intendência Municipal, a Rua
dos Andradas tinha uma feição deslumbrante. E, então, o jogo do lança perfume,
começado preguiçosamente à tarde, tomou proporções gigantescas.
Moços,
velhos crianças de todas as condições manejavam a pequena alavanca dos
tubosinhos do volátil perfume, com o mesmo brio e com o mesmo entusiasmo; tanto
mais fácil de ter expansão, quanto a compra do artigo era facilitada pelos seus
mercadores.
Em
todas as casas de comércio, que tinham deixado uma meia porta aberta, em todas
as esquinas, em todos os tabuleiros, havia a venda lança perfumes.
Quando
o combate atingia o seu auge, entraram a cair gotas de chuva de um céu escuro e
relampagueante. Mas ninguém arredou pé da liça e assim mantiveram-se os
lutadores até perto das 22 horas.