Largo do Medeiros, década de 1930. Acervo Fototeca Sioma Breitman. Museu Joaquim Felizardo |
Embora houvesse um predomínio de filmes estrangeiros em exibição, também havia filmes documentais e de ficção produzidos na cidade, como anunciava o jornal A Federação (Porto Alegre, 06/03/1923, p.4):
O cinema Central, na próxima semana apresentará ao público um filme apanhado na nossa capital e intitulado "O carnaval cantando de 1923 em Porto Alegre".Essa película é uma linda comédia burlesca, que gira em torno do último carnaval.A montagem desse trabalho original, o primeiro do gênero até então feito no estado, está sendo dirigida pelo sr. Carlos Comelli, diretor proprietário da Pátria-Film e apanhado pelo operador fotocinematrográfico Sr. Joaquim Ribeiro Lima.Além da comédia "O carnaval cantando de 1923 em Porto Alegre", ver-se-á lindos quadros em que tomam parte cordões, blocos, préstitos e máscaras.
Inaugurado em março de 1921, o cinema Central, de propriedade dos irmãos Sirangello, possuía 1351 lugares e tinha como slogan ser "O ponto chique da elite!". Localizado na Cinelândia, espaço compreendido entre o largo do Medeiros (esquina da General Câmara com a rua dos Andradas) e a praça da Alfândega, era onde ficavam os cinemas, clubes, cafés e cafeterias que evidenciavam a prosperidade burguesa da cidade (PECK, 2010). De acordo com Pesavento (1999, p.59):
Porto Alegre se projetava como espetáculo burguês de Viver em cidades. As confeitarias, os cafés, os teatros, as associações carnavalescas, os hipódromos, o footing da rua da Praia, as sessões dos cinematógrafos constituíam as ambiências e as sociabilidades que atuavam como palco de uma moda europeia para a burguesia porto-alegrense.
Buscando a distinção social, os irmãos Sirangello exigiam o uso de gravata para os frequentadores homens adentrarem ao seu cinema (STEYER, 2001). Além disso, enquanto todos os demais extinguiram o hábito de ter músicos dando o tom sonoro das produções, o Central manteve sua orquestra a fim de preservar sua identidade elitista (GASTAL, 1998).
Segundo Póvoas (2018), a história do cinema gaúcho dos anos de 1920 está inserida na lógica do ritual do poder. Sem muitas beleza naturais para mostrar, tal qual o Rio de Janeiro, "a câmera gaúcha se volta para quem tem poder". E nessa perspectiva estava inserido o italiano Carlos Comelli, produtor de "O carnaval Cantado". Envolvido em diversas firmas e associações cinematográficas, foi sócio de Eduardo Hitz, por exemplo, ele filmava "a fábrica do coronel Alberto Bins, futuro prefeito de Porto Alegre, o político Borges de Medeiros, presidente do Estado, [...] as festas cívicas (Sete de Setembro), eventos com a embaixada italiana". À vista disso, observa-se que o mesmo ocorreu na produção carnavalesca por ele dirigida. De acordo com o jornal A Federação (Porto Alegre, 09/03/1924), várias cenas da película "foram apanhadas na Vila Christoffel, que para esse fim foi gentilmente cedida por seu proprietário, coronel Alberto Bins, e parte na vila da Sociedade Germania, da mesma forma posta a disposição daquele cinematografista".
Trazendo a temática carnavalesca para as telas, Carlos Comelli inseria Porto Alegre no circuito de cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, que buscaram retratar os festejos de Momo daquele ano. O longa-metragem (dividido em 5 longas partes), silencioso e em preto e branco, era uma comédia que trazia elementos ficcionais e humorísticos (FILMOGRAFIA, 2023), "na qual se aproveitaram para animação do assunto aspectos do carnaval deste ano, os préstitos da sociedade e os festejos populares nas ruas. Durante a exibição deste filme far-se-ão ouvir nossos corais em que tomam parte elementos artísticos desta capital, vocalizando canções carnavalescas e populares em certas passagens do filme", segundo o jornal Correio do Povo (Porto Alegre,22.03.1923, p. 3).
Com a participação de artistas nacionais, o filme tinha como protagonistas as atrizes Albertina Rodrigues, Elsa Gomes, Oraide Nogueira, Alyce Egipto, Ida Riche, Sarah Nobre e Adelina Teixeira, e os atores Carlos Hailliot, Luiz Fortini, Olympio Bastos, João Fernandes, Edmundo Silva e Arthur Castro; além das bailarinas irmãs Ìris, que executam lindos trabalhos coreográficos (A Federação, Porto Alegre, 08/03/1923, p.4).
Com estréia programada para os dias 22 e 23 de março, o Carnaval Cantado (ou Viva o Carnaval, como também era chamado) teria ainda uma espécie de pré-estreia, na manhã do dia 22, exclusiva para os representantes da imprensa (A Federação, Porto Alegre, 09/03/1923, p.4).
Referências
FILMOGRAFIA Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Cinemateca Brasileira.
GASTAL, S. Salas de cinema:cenários de uma história porto-alegrense. Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 9, dezembro 1998.
PECK, R. A sociabilidade nas salas de cinema da Cinelândia porto-alegrense retratada na Revista do Globo na década de 1940 (1940-1949). Monografia (Bacharel em Comunicação Social/ Relações Públicas). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010.
PÓVOAS, G. O cinema no Rio Grande do Sul (1918-1934). In: SOUZA, J. et all. Nova História do Cinema Brasileiro. São Paulo: Edições SESC, 2018
STEYER, F. Cinema, imprensa e sociedade em Porto Alegre (1896-1930). Porto Alegre: Edipucrs, 2001.
Para saber mais ☺
- Bibliografia, filmografia e discografia sobre o carnaval
Carnaval: textos, imagens e sons, de Rita de Cássia Barbosa Araújo, Mario Saouto Maior, Fernando Spencer, Renato Phaelante