Você sabia que o primeiro desfile de carnaval em Porto Alegre ocorreu há 150 anos?
Pois é, no carnaval de 1874 as sociedades carnavalescas, Esmeralda e Venezianos, desfilaram pelas ruas do centro de Porto Alegre, instituindo assim uma nova forma de fazer carnaval.
Vamos conhecer?!
Carnaval de 1874. Inácio Weingärtner, O Guarany, Porto Alegre,1874 (FERREIRA, 1970). |
O ano era 1873 e a fim de acabar com a tão criticada brincadeira do entrudo, que até então imperava na capital da província de São Pedro, uma novidade haveria de surgir em Porto Alegre no fim daquele carnaval...
Realizando sua assembleia fundadora em 1º de março de 1873, no primeiro sábado após a quarta-feira de cinzas, nascia a sociedade carnavalesca Esmeralda Porto-Alegrense e dois dias depois era noticiado o surgimento da Os Venezianos, ambas saudadas em sua missão “matar” o “grosseiro” entrudo (LAZZARI, 1998). Compostas pela “nata dos moços da terra”, essas agremiações celebrariam os dias de Momo através de desfiles com carros alegóricos pelas principais ruas do centro de Porto Alegre e de bailes exclusivos a seus associados.
E foi assim que, em 1874, Porto Alegre assistiu ao seu primeiro desfile de carnaval. Ao que tudo indica, a novidade movimentou a cidade por aqueles tempos. Segundo Ferreira (1970, p.28):
[...] a Câmara Municipal tomara providência, no sentido de serem varridas e lavadas as ruas por onde o corso passaria. Alguns vereadores, mais entusiastas, lembraram que seria interessante mandar também ornamentar aquelas ruas e logradouros mais próximos – sugestão logo aceita e aprovada por unanimidade. Assim, os postes de iluminação pública foram ali guarnecidos de galhardetes e festões. E, cruzando as ruas, em linhas paralelas, extensas fieiras de bandeirolas de todas as cores compunham rendado dossel, sob o qual os préstitos de Esmeralda e Venezianos desfilariam, triunfalmente. Por seu turno, os moradores da Rua da Praia e da face principal da Praça da Alfândega, secundando a Câmara, já à tardinha enganalavam sacadas e janelas de suas residências, com vasos de flores, arcos e grinaldas, tapetes caros e franjadas colchas de seda e damasco.
Saindo às ruas no Domingo de carnaval, Os Venezianos abriam seu desfile com uma orquestra montada e uniformizada e três batedores que conduziam o estandarte da agremiação, seguidos por carros abertos e decorados conduzindo os sócios “que primavam por suas vestes caras, de luxo mesmo, os quais, munidos de ramalhetes de flores, jogavam-nos às famílias, sendo geralmente correspondidos por elas” (A Reforma, Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1874, p.1). A Esmeralda, por sua vez, precedida por uma banda de música, apresentava-se em trajes burlescos. E dando “a nota humorística aos festejos” trouxe a “imitação dos Minstreis, num carroção; outro de crítica à salubridade pública; e ainda um outro conduzindo um médico (tipo engraçado) que discursava em favor de seus elixires, pílulas e mesinhas” (A Reforma, Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1874, p.1). Na terça-feira, ambas as agremiações saíram novamente às ruas e “os esmeraldinos, em carros abertos ricamente adornados, igualaram os venezianos” (A Reforma, Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1874, p.1), desfilando com “fantasias escocesas e precedidos por um carro no qual uma menina levava sua bandeira verde” (LAZZARI, 1998, p. 94).
Vamos conhecer o trajeto percorridos por esses primeiros desfiles no carnaval de Porto Alegre?
No livro O Carnaval porto-alegrense no século XIX, Athos Damasceno Ferreira (1970, p.33) apresenta o itinerário dos desfiles em 1875: Praça Pedro II, Rua Duque de Caxias, Silva Tavares, Praça Conde d’Eu, Sete de Setembro, General Câmara, Praça Pedro II, Caxias, Bento Martins, Andradas, Rosário, Riachuelo, Praça do Portão, Duque de Caxias até o Teatro São Pedro (clique aqui para tour virtual).
Além dos desfiles carnavalescos, nesse carnaval inaugural as agremiações também promoveram bailes para seus associados nos salões da Soirée Porto-Alegrense. Também conhecida como Sociedade Bailante, localizava-se na Praça da Matriz (onde hoje é Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul), tendo sido projetada pelo alemão Philip von Norman (também idealizador do Teatro São Pedro) e construída pelo português João Batista Soares da Silveira e Souza, o comendador Batista, por volta de 1850. Era o principal ponto de encontro e espaço de sociabilidades da ainda pacata Porto Alegre (ALVES, 2001).
Sociedade Bailante. Virgílio Calegari, final do séc. XIX. Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. |
De acordo com o jornal A Reforma (Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1874, p.1):
Na noite de sábado, deu a sociedade Venezianos o seu baile à fantasia. Às 9 horas, a Sociedade, precedida de uma banda de música, saiu do teatro [São Pedro] em direção ao soirée, tendo desde longa distância entrado numa fileira de inúmeros espectadores postados na rua, defronte à Bailante. Tendo feito a sua entrada triunfal, de estandarte erguido e desfilando em ordem, causou uma verdadeira surpresa. Os salões da Soirée regurgitavam de damas e cavalheiros e entre aquelas viam-se muitas trajando à fantasia em apurado gosto. Os salões primavam pela sua ornamentação e muitos diziam que nunca os tinham visto tão esplêndidos e abundantes de luzes, flores e enfeites.
O cronista do jornal segue destacando que, ao dar início às danças, o salão principal foi dividido em dois, entre os fantasiados e os não fantasiados. Contudo, após a primeira quadrilha, tudo mesclou-se, dando "ao sarau um caráter mais interessante. Durou este com animação constante até às três horas da madrugada” (A Reforma, Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1874, p.1).
No que lhe concerne, esmeraldinos também se entregaram à folia ao som de valsas, quadrilhas e polcas nos salões da Bailante e, em função do primor da ornamentação, orquestra e concorrência teriam superado aos venezianos. Sob a assinatura de Adriano de Ávilar, a coluna Folhetim, do jornal A Reforma, dedicou-se a descrever o respectivo baile: “no meio de tantas flores, luzes e harmonias não podia deixar de haver mocidade, entusiasmo e vida, e a valsa fugaz de leve resvalou cheia de encanto, colhendo em sua passagem o culto imenso de mais de uma fronte sonhador”. Seguindo com sua descrição, ele ainda destacava que:
Quantas esperanças não nascem nos ritornelos de uma valsa e que de poemas lindos não viceja, acalentados pelo baile, embalados pelas auras perfumosas da dança!Que de auroras luminosas vimos nós despontar num céu de rosas dessa juventude entusiasta que doudejava entre tantos prazeres e alegrias!...Quantos romances de amor não foram lidos e relidos; e quantos, começados, dias antes, ali não foram terminar seu último capítulo![...] O sarau da Esmeralda esteve acima de toda expectativa, proporcionando àqueles que o assistiram expansivos momentos que hão de ser sempre lembrados com grata recordação de uma dessas noites felizes que poucas vezes encontramos na vida! (A Reforma, Porto Alegre, 22 de fevereiro de 1874, p.1).
ALVES, Hélio Ricardo. Porto Alegre foi assim... Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
FERREIRA, Athos Damasceno. O Carnaval Porto-Alegrense no século XIX. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1970.