Criada em 31 de dezembro 1872, por um grupo de negros alforriados que pertenciam à Irmandade do Rosário de Porto Alegre, como uma entidade musical, ela também prestava auxílio a outros negros e suas famílias, sobretudo no que tange o enterramento de seus mortos (Bohrer, 2014; Müller, 1999; Jesus, 2005). De caráter recreativo, filantrópico e com forte atuação político-social, a agremiação se tornou um espaço de referência (e resistência) do povo negro e hoje com seus 151 anos de existência é considerada a sociedade negra mais antiga do Brasil (Gomes, 2009).
No que tange ao carnaval, embora não fosse uma associação com fins especificamente carnavalescos, em 1879, a Floresta Aurora já realizava bailes e seus sócios se exibiam em passeios à fantasia pelas ruas da cidade (Lazzari, 1998). Sem apresentar carros alegóricos ou de críticas, ela "integrava a festa com as formalidades de um clube social", destaca o historiador Alexandre Lazzari (1998, p.154).
No programa de seus festejos para o carnaval de 1881, por exemplo, é possível verificar que após escolherem uma diretora para as atividades do mês seguinte e uma rainha e escudeiro para o carnaval do próximo ano, a agremiação planejava realizar seu passeio burlesco na sexta-feira à noite; no sábado, era a vez do passeio à fantasia, seguido de baile. Partindo de diferentes lugares, homens e mulheres se encontrariam e percorriam "de carro as ruas centrais da cidade, iluminados por fogos de bengala, até chegarem ao salão da Bailante onde farão o 'passeio de centro' e depois 'será lida a ata e dada a posse'" (Lazzari, 1998, p. 154-155). Athos Damasceno Ferreira, em seu livro O carnaval porto-alegrense no século XIX (p.60) também registrou a participação da Floresta Aurora no carnaval de 1881. Apresentando uma "passeata burlesca", a agremiação "participou dos corsos, compondo grupos esparsos de mascarados e conjuntos humorísticos, com perfeitas e divertidas imitações, especialmente de tipos populares, como italianos vendedores de bilhetes de loteria, engraxates, tocadores de realejo, funileiros ambulantes e funâmbulos portadores de macacos e cachorros amestrados".
Participando ativamento dos festejos carnavalescos da cidade, nas décadas de 1930 e 1940 a agremiação já era vista e representada como uma sociedade negra de elite. Seu carnaval trazia "rainhas vestidas luxuosamente, sentadas em tronos ricamente ornamentados e os pares dançando no salão, em sua sede na Cidade Baixa, tudo isso ao som de jazz-bands" (Germano, 1999, p.88 ). E, assim como suas congêneres brancas, a Floresta Aurora promovia grandes bailes para a coroação de suas rainhas do carnaval, como bem ilustra a fotografia abaixo (Feijó, 2005):
Rainha do Carnaval de 1936. Acervo da S.R.B. Floresta Aurora. Retirado de SANTOS, Irena. Negro em preto e branco. Porto Alegre: do Autor, 2005. |
Ultrapassou a expectativa geral o corso apresentado anteontem pela veterana sociedade Floresta Aurora, no Carnaval deste ano. A rainha dessa sociedade, senhorita Lourdes Medeiros, trajando uma custosa toilette trazia sobre os ombros um riquíssimo manto recamado de pedrarias multicolores e fazia-se acompanhar de duas aias, também vestidas com muito gosto e apuro e era seguida por um luzido esquadrão trajando a Frederico, o Grande. Puxava o cortejo uma banda de clarins que executava de momento a momento a marcha “Ainda” e, secundava-a três batedores galantemente trajados. Os grupos da Rainha, dos Trevos, Baseados, Encartolados, Marinheiros, Tá No Moio, Engravatados e Seu Manoelito fantasiados com originais fantasias de apurado gosto, encheram as ruas da capital com a alacridade das suas canções.
Referências
FEIJÓ, Nilo. Recordar é Viver. In: SANTOS, Irene (org.). Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: do Autor, 2005.
FERREIRA, Athos. O carnaval porto-alegrense no século XIX. Porto Alegre: Globo, 1970.
JESUS, Nara Regina Dubois de. Clubes sociais negros em Porto Alegre - RS: a análise do processo de recrutamento para a direção das associações Satélite, Prontidão e Floresta Aurora, trajetórias e a questão da identidade racial. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
MÜLLER, Liane Suzan. “As contas do meu rosário são balas de artilharia”: Irmandade, jornal e sociedades negras em Porto Alegre 1889-1920. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.