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O Século, Porto Alegre, 07/09/1884. |
Se no aspecto legal, a assinatura da Lei Áurea marcou o término do cativeiro; no social, lançou milhares de pessoas à própria sorte, sem respaldo por parte do Estado que os "libertara" e condições dignas de inserção na sociedade, como refletem os sambas-enredo das agremiações citadas anteriormente. Apesar disso, muitas foram as celebrações que festejaram o fim da escravidão. Apresentando diversas facetas, esses festejos apontam para os vários significados que o 13 de Maio teve para os diferentes setores sociais (Fraga Filho, 2010).
No caso de Porto Alegre, "mandado cantar pela Câmara Municipal, em ação de graças pela extinção da escravatura no Brasil," foi realizado um Te Deum Solene, que contou com um "grande número de cidadãos de todas as classes", frisava o jornal A Federação (Porto Alegre, 17/05/1888, p.2). Além disso, foi promovido pela Escola Militar um passeio cívico, do qual participaram diversas associações, inclusive a sociedade carnavalesca Esmeralda, que, portando seu estandarte, logo se incorporou ao préstito. Segundo o jornal A Federação (Porto Alegre, 17/05/1888, p.2), "durante o trajeto, observada sempre a maior ordem, levantaram-se vivas à Pátria livre, à lei de 13 de maio, à abolição, etc". Há de se destacar que a libertação dos escravos já havia sido declarada em Porto Alegre desde 1884. Contudo, a escravidão ainda não havia acabado de fato, afinal a maioria das cartas de liberdade eram condicionais, ou seja, mediante prestações de serviço (Bakos, 1982). Segundo Zubaran (2009, p.8), os "políticos rio-grandenses, liberais, conservadores dissidentes e republicanos, acordaram um compromisso político para emancipar os escravos da província concedendo-lhes emancipação condicional, que idealmente impediria os libertos de se entregarem à 'vadiagem' e permitiria que seus senhores continuassem a utilizá-los ao mesmo tempo em que os declaravam nominalmente livres".
Com muitos integrantes partidários do movimento abolicionista porto-alegrense, como Leopoldo Masson, um de seus fundadores, a Esmeralda não deixou passar desapercebida a lei de 13 de maio e trouxe em seu desfile do carnaval de 1889 uma alegoria intitulada Lei Áurea:
Um trono de 4 degraus, dando acesso a uma plataforma sobre a qual se acha colocado um arco triunfal. Sobre os degraus estão dispostas alternadamente 12 moças representando as seguintes nações: França e Alemanha; Estados Unidos e Inglaterra; Suíça e Itália; República Argentina e Espanha; Chile e Bélgica; Estado Oriental e Portugal. Sob o arco, acha-se o Brasil representado por um bugre que tem à sua direita um pequeno pedestal em que descansa um grande livro com a inscrição Lei Áurea. As jovens estão vestidas com as cores das bandeiras das nações que representam, tendo em uma das mãos uma coroa de louro e sobre as cabeças coroas ou barretes frígios, conforme as nações que representam (Ferreira, 1970, p.93)
Como destaque no carro alegórico, a Esmeralda trazia mulheres representando as distintas nações que já haviam abolido a escravidão, fossem elas monarquias (com coroas) ou repúblicas (com barretes frígios) e caracterizava o Brasil através de sua origem indígena, o colocando no rol das nações civilizadas a partir da assinatura da Lei Áurea. Independentemente da forma de governo a ser adotada, desde que pautada pela manutenção da ordem, a libertação dos escravos vinculava-se, assim, ao projeto nacional de civilização e progresso tão almejado pelas elites intelectuais do país, inclusa a de Porto Alegre.
Referências
FRAGA FILHO, Walter. O 13 de maio e as celebrações da liberdade, Bahia, 1888-1893. História social, n. 19, p. 63-90, 2010. Disponível em https://ojs.ifch.unicamp.br/index.php/rhs/article/view/316. Acesso em: 30 dez. 2024.
ZUBARAN, Maria Angélica. A INVENÇÃO BRANCA DA LIBERDADE NEGRA: MEMÓRIA SOCIAL DA ABOLIÇÃO EM PORTO ALEGRE. Fênix - Revista de História e Estudos Culturais, [S. l.], v. 6, n. 3, p. 1–16, 2009. Disponível em: https://www.revistafenix.pro.br/revistafenix/article/view/192. Acesso em: 1 jan. 2025.