A Portela anunciou um enredo poderoso para o Carnaval 2026, mergulhando nas raízes afro-gaúchas com “O Mistério do Príncipe do Bará — A Oração do Negrinho e a Ressurreição de sua Coroa sob o Céu Aberto do Rio Grande”.
A azul e branco de Madureira vai contar a trajetória de Osuanlele Okizi Erupê Custódio Joaquim Almeida, príncipe do Benin que deixou um legado espiritual marcante no sul do Brasil.
| Mosaico do Bará do Mercado Público de Porto Alegre, formado por sete chaves em pedras e bronze, onde está assentado o Bará (Exu), orixá que tem o poder de abrir caminhos. Foi assentado, ou seja, fixado em algum objeto através de rituais, pelo Príncipe Custódio – Foto: Guilherme Fernandes/Destino POA. |
É mais uma vez que o Rio Grande do Sul ganha destaque na Sapucaí, com suas histórias sendo contadas por grandes escolas.
Vila Isabel: Martinho, cavalgadas e epopeias gaúchas
A Vila Isabel já se rendeu duas vezes ao fascínio do Rio Grande do Sul. E sempre com pompa de epopeia.
A primeira foi em 1970, com “Glórias Gaúchas”, de Martinho da Vila. O desfile foi quase uma ode aos símbolos mais clássicos da cultura sulista: o gaúcho, o cavalo, a tradição. Um desfile que, à sua maneira, celebrava uma identidade regional marcada por orgulho e resistência.
| Vila Isabel em foto de desfile no início da década de 70: era um tempo em que a valorização das culturas regionais começava a ganhar espaço na avenida. |
Desfila a Vila novamente incrementadaE desta vez tem o Rio Grande na jogadaCom suas glórias e tradiçõesSuas histórias e seus brasões(Martinho da Vila – 1970)
Depois, em 1996, veio “A Heroica Cavalgada de um Povo”. O enredo, assinado por Max Lopes (1939 – 2023), foi ainda mais ambicioso: transformou a colonização do Sul, as lutas territoriais e as influências culturais da região em narrativa carnavalesca. A escola apostou numa leitura épica — com direito a tropeiros, batalhas, bombachas e chimarrão.
Epopeia farroupilha, clamor de vozChimangos ou MaragatosO gaúcho é aclamado o grande herói(Tião Grande e Cafu Ouro Preto – 1996)
Beija-Flor: dos ares de Rubem Berta às missões guaranis
A Beija-Flor, conhecida por seus desfiles luxuosos e impactantes, também foi buscar inspiração no Sul. E fez isso duas vezes com abordagens bastante diferentes.
| Ruben Berta, o “gaúcho sonhador” homenageado pela Beija-Flor no desfile 2002. |
Foi uma leitura moderna do “homem que queria voar”, ligando mitologia, tecnologia e identidade nacional. Nunca é demais lembrar que a introdução da faixa gravada remete aos acordes do jingle de Natal da Varig, que caiu no gosto de Ruben Berta, que permitiu a criação da campanha natalina, que foi ao ar pela primeira vez em 1960, com o tema “Papai Noel voando a jato pelo céu”. E ao final da faixa, o arranjo da gravação lembra a marca sonora “Varig, Varig, Varig”.
Glória a um gaúcho sonhadorFez da moderna aviaçãoA integração nacionalNo seu desejo profundoEste cidadão do mundoLutou pela igualdade social(Wilsinho Paz, Elcy, Gil das Flores, Alexandre Moraes, Tamir, Tom-Tom e Igor Leal – 2002)
Três anos depois, em 2005, veio um dos enredos mais densos e arriscados da escola: “O Vento Corta as Terras dos Pampas. Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete Povos na Fé e na Dor... Sete Missões de Amor”. O título já dava o tom. O desfile abordava as reduções jesuíticas e os Sete Povos das Missões, episódio histórico de violência, fé e colonização.
| Ruínas da redução jesuítica de São Miguel Arcanjo. Foto: Rafaela Ely. |
A ousadia foi premiada: o samba, nascido da junção de duas composições finalistas, venceu o Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo. Era a primeira vez que uma fusão (made by Laíla) vencia o prêmio. E a Beija-Flor mostrava que, sim, era possível transformar as dores coloniais do Sul em arte e samba — com respeito e potência narrativa.
Em nome do pai, do filhoA Beija-flor é guaraniSete povos na fé e na dorSete missões de amor(J.C. Coelho, Ribeirinha, Adilson China, Serginho Sumaré, Domingos PS, R. Alves, Sidney de Pilares e Zequinha do Cavaco – 2005)