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Velódromo da União Velocipédica |
Carnaval de bicicletas?! Pois, sim, temos!
A última década do século XIX foi marcada pelo crescente interesse da população porto-alegrense pelo uso da bicicleta. Fosse para lazer ou esporte, esse interesse logo fomentou a criação de duas agremiações para promoção da prática do ciclismo; uma delas era a União Velocipédica de Amadores. Fundada em 10/03/1895, numa reunião realizada no "Restaurante da Estação"- bar localizado dentro da estação do fim da linha do bonde Menino Deus -, congregava jovens ciclistas que tinham objetivos recreativos e, a posteriori, competitivos (Jornal do Comércio, Porto Alegre, 06/03/1895). Não tardou muito para que surgisse uma congênere, a Radfaherer Verein Blitz, e logo se iniciassem as primeiras competições ciclísticas na cidade (Correio do Povo, Porto Alegre, 11/10/1896; 12/01/1897).
Pouco depois de inaugurar uma primeira pista de corrida no Prado Independência, a União Velocipédica arrendava terras de propriedade da prefeitura da capital e dava início a construção de outro velódromo, no Campo de Redenção, entre a Escola de Engenharia e o chafariz (Correio do Povo, Porto Alegre, 22/01/1899). Inaugurado em novembro de 1899, ele "tinha 17 mil metros quadrados de área, espaço social com iluminação e mobiliário. A pista tinha 333 metros de extensão, com as bicicletas podendo alcançar a velocidade de setenta quilômetros por hora" (Moraes, 2014, p.27). Organizando um passeio veneziano a fim de comemorar a inauguração do novo velódromo, após as corridas a sociedade adentrou em préstito com "muitos ciclistas, com as respectivas máquinas elegantemente adornadas e iluminadas, dando ao conjunto um aspecto agradabilíssimo" (A Federação, Porto Alegre, 2711/1899).
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É bem provável que esse préstito de inauguração tenha inspirado os ciclistas a repetirem a dose no próximo carnaval. E eles assim o programaram! Com a inscrição de mais de 60 sócios para participarem do passeio burlesco no carnaval de 1900, ele sairia do Menino Deus, às 16 horas, com os foliões em bicicletas e carros, em direção ao Velódromo. O estandarte da agremiação seria acompanhado por uma guarda de honra de doze lanceiros-ciclistas, devidamente uniformizados, seguidos pelos sócios fantasiados em bicicletas; o Zé Pereira e bandas de música iam em carros (Correio do Povo, Porto Alegre, 22/02/1900). Contudo, o mau tempo não permitiu que a União Velocipédica realizasse seu préstito:
A hora convencionada, no pitoresco arrabalde do Menino Deus, com grande concurso do povo, ali morador e de muitas famílias e cavalheiros que da cidade tinham ido em bondes ou carros, a União Velocipédica começou a formar o seu préstito, apresentando-se nele bicicletas ricamente adornadas.Ciclistas de ambos os sexos, elegantemente fantasiados, iam ocupando os respectivos lugares, oferecendo o conjunto um espetáculo novo e atraente.Nesse momento começou a chuva a cair copiosamente e também a dispersar o pessoal que devia compor o cortejo, já com suas toilettes e máquinas molhadas (A Federação, Porto Alegre, 26/02/1900).
Apesar de não ter realizado o passeio carnavalesco, a União Velocipédica não ficou de fora do carnaval. Além de apresentações de seu Zé Pereira (grupo carnavalesco com instrumento de percussão, como a zabumba, por exemplo) no velódromo, ela figurou como tema num dos carros alegóricos da sociedade Pedinchões, agremiação também oriunda do arraial do Menino Deus e a única nominada a desfilar naquele ano de 1900 (A Federação, Porto Alegre, 27/02/1900).
Simbolo da modernidade, a bicicleta - e o hábito do pedal - representava os anseios de uma sociedade que se queria moderna. Segundo Santucci (2016, p.31), "o Brasil, em posição provinciana, tencionava fazer parte do mundo moderno, o que levou suas elites a adaptarem pensamentos e modos de vida europeus, considerados modernos e civilizados, às suas condições objetivas, [estando isso atrelado à prática] do ciclismo e sua indumentária com a busca pela modernização de Porto Alegre". Do mesmo modo, tal aspiração nos costumes já podia ser vislumbrada quando das mudanças efetuadas no carnaval com o surgimento das sociedades carnavalescas Esmeralda e Veneziano (1873). A tentativa de eliminar a antiga brincadeira do entrudo, considera uma bárbara tradição, substituindo-a por bailes e préstitos do moderno carnaval, manifestava o desejo de práticas mais adequadas a noção de civilização (Leal, 2021). Assim como o ciclismo, o carnaval também fazia parte dos hábitos adotados pelas elites brasileiras para que se sentissem incluídas na modernidade. Embora presentes no imaginário da população porto-alegrense, tanto a Esmeralda, quanto a Venezianos, não celebravam mais o carnaval naquela virada de século. Nesse sentido, não era fortuito o comentário do jornal A Federação que previa ser o préstito da União Velocipédica a "nota predominante das festas do Carnaval nas ruas" (A Federação, Porto Alegre, 26/02/1900).
Referências
Moraes, Ronaldo Dreissig. O ciclismo nos clubes de Porto Alegre/RS: entre passado e o presente. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
Santucci, Natália de Noronha. O Elegante Sport: conexões entre a moda, a modernidade e o ciclismo em Porto Alegre (1895-1905). Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.