Pelotas a partir de 1890: um Carnaval de imagens
SILVA, Everton Lessa da
DOMINGUES, Viviane Barbosa
LEAL, Elisabete da Costa


INTRODUÇÃO
O foco deste trabalho é a análise a histórica do Carnaval em Pelotas por intermédio de imagens — especificamente, fotografias do período de 1890 a 1953. Com certeza essas reproduções sugerem narrativas que se prestariam a múltiplas interpretações, algumas das quais buscaremos apontar. É objetivo, ainda, comparar as imagens da festa de Momo deste município com os folguedos de outras cidades, tais como Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.

Esse trabalho se ancora em fontes tradicionais para a interpretação das festas carnavalescas: as fotografias. Acredita-se no recurso da imagem não somente como um mero suporte visual de representação daquilo que não existe mais[1], mas uma fonte possível de interpretações historiográficas sobre o carnaval.

O uso da fotografia como fonte de pesquisa ainda não é um estudo consagrado no meio acadêmico, mas, como afirmou Cláudio de Sá Machado Júnior, “as Imagens fotográficas ganham significados com o passar do tempo e, relativamente, tornam-se testemunhos do passado.”[2] Por isso, acreditamos no recurso da imagem não somente como um mero suporte visual de representação daquilo que não existe mais[3], mas como elemento significativo de interpretação historiográfica. Entendemos que esta perspectiva — estudo do Carnaval relacionado a imagens — deverá, num curto espaço de tempo, assumir novas características no âmbito da História.



METODOLOGIA (MATERIAL E MÉTODOS)
Foram utilizadas como suporte da pesquisa fotografias encontradas no Laboratório do Acervo Digital da Universidade Católica de Pelotas – legado de Nelson Nobre Magalhães. O levantamento das imagens sobre o carnaval de Pelotas, de 1890 em diante, já foi concluído. No momento estamos arrolando e reproduzindo as fotografias disponíveis em diferentes acervos.

Em uma análise descritiva das imagens, percebe-se que o Carnaval de Pelotas não foi diferente da trajetória carnavalesca brasileira. Em relação à sua divisão cronológica, desenvolveu-se basicamente em três etapas: o entrudo (século XVIII), o carnaval veneziano (no século XIX) e o carnaval-espetáculo, surgido nas primeiras décadas do século XX. Na descrição das fotografias buscaram-se características desses momentos, que nem sempre ocorreram em períodos distintos: em algumas ocasiões uma mesma etapa desenvolveu-se paralelamente a outra.

Consequentemente, o desafio deste trabalho passa por fases variadas, desde a leitura e análise das principais obras sobre o Carnaval até a busca de fotografias. Graças aos registros visuais deixados por gerações passadas, o trabalho vem acumulando resultados satisfatórios.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Embora este trabalho ainda esteja em sua fase inicial, algumas hipóteses já podem ser levantadas: por exemplo, a influência cultural das charqueadas, percebida de forma peculiar nas imagens pela utilização de bois para puxar os carros de ideias, diferindo do Carnaval de Porto Alegre, que utilizava cavalos[4].

Percebeu-se também nas imagens que há dois grupos sociais distintos na festa de Momo. Um deles representado pelos carnavais elitizados dos clubes sociais, com suas festas particulares. O corso de Pelotas aproxima-se da festa de Porto Alegre, composta pelos clubes carnavalescos Venezianos e Esmeralda: em Pelotas a disputa pelas fantasias luxuosas ficava entre os clubes Brilhante e o Diamantinos. O jornal de maior circulação da época (Diário Popular) classificava um bom Carnaval tomando por base os tipos de fantasias. O outro grupo, e não menos importante, fará oposição a essa forma “civilizada” de brincar o Carnaval: os cordões, ranchões, blocos, (essas coligações tornaram-se a essência das escolas de sambas) e os clubes sociais dos descendentes de africanos.

 Nesse último grupo visualiza-se nas imagens que o tipo de fantasias sofre modificações. As colombinas, ciganas, pierrôs, são substituídos pelos pulhas. O luxo começa a ceder espaço para a criatividade da transfiguração humana. E então começam a vir à tona representações “invisíveis” na rotina cotidiana da cidade. Seu lado popular, bizarro, grotesco, marginal e louco. Homens baixos ao lado de mulheres altas, homens magricelas agarrados a mulheres obesas. Homens vestidos de mulheres, mulheres vestidas de homem, panças enormes sendo exibidas, as gírias, o suor dos corpos (...) os bêbados, os travestis, os bígamos, os adúlteros, os velhacos safados, as prostitutas, os negros. A cidade durante o Carnaval permitia tornar visível sua polifonia, quase imperceptível em sua rotina cotidiana[5].

É importante ressaltar que as interpretações das imagens do Carnaval de Pelotas não visam somente descrever e comparar os momentos apoteóticos da festa, mas sim construir um sentido histórico e relacional para as mesmas. Quando comparado ao de outras cidades, o Carnaval de Pelotas em alguns momentos é distinto e em outros é similar, o que é próprio da História.


CONCLUSÕES
Ao comparar o Carnaval de Pelotas com imagens de outras cidades, como Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, deve-se considerar que esta cidade localizasse na região da Campanha, eminentemente pastoril, e que nela a produção do charque era a principal atividade econômica. A opulência e a amargura dessa atividade refletiram-se mais tarde nas festas carnavalescas. É bem verdade que o Carnaval pelotense não foi modelo para o país, mas apresenta aspectos que o colocam como fonte de estudo para os pesquisadores desse tema. O foco deste trabalho foi buscar nos registros visuais deixados pelos próprios carnavalescos possíveis novas interpretações locais da festa de momesca. (...) imagens sensíveis, resgatáveis pelo historiador. Assim, para chegar até as sensibilidades de um outro tempo, é preciso que a elas tenham deixado um rastro, que cheguem até o presente como um registro escrito, falado, imagético ou material, a fim de que o historiador possa acessá-las. Mesmo um sentimento, uma fantasia, uma emoção precisam deixar pegadas para que possam ser capturados em suas marcas pelo historiador.[6]

 REFERÊNCIAS
BARRETO, Alvaro. Dias de folia: o carnaval pelotense de 1890 a 1937. Pelotas: Educat, 2003.
DINIZ, André. Almanaque do Samba: a historia do samba, o que ouvir, o que
ler, onde curtir. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
FERREIRA, Felipe. O livro de Ouro do Carnaval Brasileiro. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004.
GERMANO, Iris Graciela. Rio Grande do Sul, Brasil e Etiópia: os negros e o
carnaval de Porto Alegre nas décadas de 1930 e 40.PPGH/IFCH/UFRGS,1999.
(Dissertação de Mestrado)
KAUFMANN, Zunilda Maria Corrêa. A trajetória do carnaval pelotense. Universidade Católica de Pelotas, 2001. (Dissertação de Mestrado)
LONER, Beatriz A.; GILL, Lorena Almeida. Clubes carnavalescos negros na cidade de Pelotas. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 35, p. 145-162,
2009.
MACHADO JÚNIOR, Cláudio de Sá. Imagens da Sociedade Porto-Alegrense: vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930). São Leopoldo: Oikos, 2009.
MAGALHAES, Mario Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas 1860-1890. Pelotas: UFPel,1993.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
PINHEIRO, Marlene M. Soares. A travessia do Avesso: sob o signo do carnaval. São Paulo: Annablume,1995.
VON SIMSON, Olga de Moraes. Carnaval em Branco e Negro: carnaval popular paulistano, 1914-1988. São Paulo: Editora da Unicamp, 2007.


[1] Conforme chama a atenção a historiadora Sandra Pesavento: uma forma de compreender a representação seria dada pela exposição de uma imagem, que substitui algo/outro, ou mesmo pela exibição de objetos ou ainda por uma performance portadora de sentidos que remetem a determinadas idéias.”(PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, P. 40/41
[2] MACHADO JÚNIOR, Cláudio de Sá. Imagens da Sociedade PortoAlegrense: vida pública e comportamento nas fotografias da Revista do Globo (década de 1930). São Leopoldo: Oikos, 2009, P. 31
[3] Conforme chama a atenção a historiadora Sandra Pesavento: uma forma de compreender a representação seria dada pela exposição de uma imagem, que substitui algo/outro, ou mesmo pela exibição de objetos ou ainda por uma performance portadora de sentidos que remetem a determinadas idéias.” (PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, P. 40/41
[4] Em Porto Alegre como também em outras cidades brasileiras os carros alegóricos (conhecidos anteriormente como carros de ideias) eram conduzidos por cavalos. Pelotas foi uma das poucas cidades, se não a única, a utilizar bois para conduzir suas alegorias.
[5] GERMANO, Iris Graciela. Rio Grande do Sul, Brasil e Etiópia: os negros e o carnaval de PortoAlegre nas décadas de 1930 e 40. PPG História/IFCH/UFRGS, 1999,P. 103
[6] PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003,P.46