II
Gastão de Tal Pacheco pertencia à soberana classe dos elegantes
fluminenses que fazem timbre em fazer coisa alguma. Almoçava ao meio dia e ia
ao Francioni, do Francioni ia para casa jantar; de casa voltava ao ... Enfim! Galtão
de tal Pacheco era o símbolo da roda viva.
Nunes detestava-o, e chegara um dia te brigar com a mulher por causa do
sobrinho.
- Já lhe disse que não admito aquele mariola aqui em casa!
- Mas, Antonio!
- Já lhe disse!É uma coisa a toa, um troca tintas, em cabo de esquadra,
sem eira nem beira!
- Lembra-te que é filho de minha irmã!
- Pode ser filho da irmã do diabo, que dá na mesma! A honra, Srª. D.
Gertrudes, a honra não se guarda assim com duas trutas e meia!
- E o que ele te fez?
- A mim nada, graças a Deus! Que eu trago minha carteira em lugar
seguro.
- Antonio!
-Não que o chame ladrão, lá isso não, nem avanço tanto: porém esses
sujeitinhos só vieram ao mundo para pedirem dinheiro emprestado aos outros e darem depois com os ossos na casa de correção!
- Com efeito!
- Tenho uma menina, Srª. D. Gertrudes, uma menina que pode desonrar-se
com a presença de semelhante côdea!
Desde então foram vedadas as visitas de Gastão de tal Pacheco.
A tia escrevera-lhe:
“Gastão.
O bruto de teu tio reinou dez horas comigo por tua causa. Deixa de vir
cá; encontrar-nos-emos, quando nos quiseres ver, em casa de Adelia Pinto. Se
teimares no contrário, procura ao menos hora em que Nunes não esteja em casa.”
Uma das poucas tias neste mundo que conhecem a ortografia.
III
Gastão de tal Pacheco cumpriu as ordens expedidas no bilhetes. Rara vez
ia ver D. Gertrudes e Aninha, e isso mesmo em horas próprias ou em casa da
senhora Adelia Pinto, a quem não tenho a honra de conhecer.
Era de tal importância, porem, o motivo que o impeliu à visita, na
sexta-feira, antevésperas de carnaval, que lá foi o homem.
- Bom dia, titia!Aninha como vai?
- Oh, uma novidade do tamanho de um ônibus do Caju! Imaginem que...
E notando numa escrava que cosia pouca adiante, continuou em voz baixa:
- Mande embora aquela sujeitinha, que o negócio é melindroso.
D. Gertrudes voltou-se severamente para a escrava e:
- Então, rapariga, para quando fica a lavagem dos vidros da área? Já
tinha tempo.
A rapariga deixou a costura e foi lavar os vidros da área.
- Minha tiazinha, disse Gastão de tal Pacheco, participo-lhe que Vmc. e
a prima podem divertir-se agora a gosto sem que o pançudo dê por nada!
- Olha que é teu tio, menino!
- É um reverendo pançudo; é o que ele é, e nada mais. Pois o caso
cifra-se nisto. Foram abolidos os limões de cheiro.
- Eu já soube. Que pena!
- O que! Não diga isso pelo amor de Deus! Em lugar de limões e água
temos cousa melhor!
- Máscara; credo!
- Bem se vê que a senhora ainda não
compreende nada. A máscara, minha tia, é a mais útil invenção para o gênero humano.
Se nós já somos por natureza mascarados! Por exemplo: meu tio com aquela
formidável barriga!
- Gastão!
- Não se zangue, não se zangue. Venho,
nada mais e nada menos, convidá-las ambas para irmos juntos ao baile de
máscaras.
- Ah, ah, ah. Está só lembra a um
estroina como tu. Nós, nós num baile de...?
- De máscara, sim! Pense em primeiro
lugar no seguinte: ninguém as conhecerá!
- Isso tem lá jeito, filho de Deus! E
Nunes? E teu tio?
- A que horas ferra ele no sono?
- Às dez!
- Às nove, mamãe, acudiu Aninha, e às
vezes às oito e meia, como ontem!
- Aí está! Vê? Às oito e meia. O baile
começa a ficar bom necessariamente das dez para as onze horas. Eu virei às onze
como carro e...
- Basta, senhor maluco! Estás gastando a
língua toa!
- Mas, mamãe... ia aventurar Aninha com
os olhos brilhantes e a boca entreaberta, como uma romã madura.
Gastão de tal Pacheco agradeceu num
olhar a proteção angélica da prima e prendendo entre suas as mãos ainda frescas
e belas de D. Gertrudes:
- Atenda, tiazinha. Olhe: ninguém a
conhecerá!
Digão-me: o velho pança tem sono leve?
_ Quanto a isso, meu sobrinho, garanto-te
que nem a peça do Gabizo será capaz de acordá-lo.
- Às mil maravilhas. Trago o carro às
onze horas!
- Mas, Gastão... Escuta!
- Às onze horas venho já pronto. À propósito:
veja meu figurino.
E tirando do bolso um figurino de chicard apresento-o a ambas filhas de
Eva.
- Que bonito! Acudiu Aninha!
- E o capacete. Você verá, Aninha; traz
um pássaro em cima... Sim, um cuco. As senhoras levam dominós azuis, máscaras
de cetim e só Deus e eu poderemos conhecê-las.
- Que dizes, Aninha? Perguntou
timidamente D. Gertrudes, com os olhos misteriosamente iluminados.
A menina baixou a cabeça suspirando.
Gastão de tal Pacheco, esperto como um
lagarto, levantou-se, tomou o chapéu e despediu-se das duas parentas:
- Então, aprontem-se. Domingo, às onze
horas da noite.
- Espera Ouve! Ouve!
- Onze horas da noite em ponto!
Para mais Cenas do Carnaval!