Entre confetes e serpentinas!

Itens indispensáveis nos bailes ou préstitos, o confete e a serpentina também fizeram parte da história do carnaval de Porto Alegre. Ao que parece, tudo começou na Itália, durante o Renascimento, onde era costume se atirar confeitos verdadeiros com granulado de açúcar nas pessoas durantes os festejos, fossem eles de carnaval ou até mesmo em casamentos (Gheno, 2019). Posteriormente, esses confeitos foram substituídos por pastilhas de gesso (Ferreira, 2004).

No Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, em 1855, já há registro da intenção de uso do confetti durante aquele que haveria de ser conhecido como o primeiro desfile de carnaval da folia brasileira, o do Congresso das Sumidades Carnavalescas. Após a publicação do programa da sociedade, com a descrição do itinerário a ser percorrido e da composição dos grupos que dele tomariam parte, o jornal Correio Mercantil (Rio de Janeiro, 14/02¹855) destacava que:

Os membros do Congresso atravessarão a cidade em todos os ângulos e invadirão os faubourgs da gentry e da fashion fluminense. Os bouquets e os confetti serão os projéteis de guerra dos galhofeiros invasores; e esperam ser combatidos com iguais armas.

Ato fundador do moderno carnaval no Brasil, o desfile das Sumindades instituiu "uma origem para o carnaval brasileiro através de um vínculo estreitado não com o passado do país, mas com a genealogia da festa europeia" (Ferreira, 2006, p. 19) e influenciou a formação de outros grupos carnavalescos a adotarem o mesmo formato de carnaval. Esse foi o caso das sociedades carnavalescas porto-alegrenses, Esmeralda e  Os Venezianos, que, surgidas em 1873, fizeram seu primeiro desfile no ano seguinte. Anunciando o referido préstito, o jornal A Reforma (Porto Alegre, 12/02/1874, p.2) instruía que: 

Imponente e agradável deve ser o passeio carnavalesco, se como é uso em todas as cidades civilizadas, os moradores prepararem suas testadas convenientemente; e se embelezam suas janelas com damascos e outros enfeites; e se finalmente, em vez do limão prejudicial jogarem confeitos e flores.

A Reforma, Porto Alegre, 30/01/1875, p.2.
Convocando a população a contribuir para a reforma carnavalesca que estava a ser executada pelos “mascarados venezianos e esmeraldinos", o periódico salientava a troca dos limões de cheiro, característico das brincadeiras de entrudo, pelos confeitos e flores do moderno carnaval.

Já o confete de papel, tal qual conhecemos hoje, só seria introduzido posteriormente. O engenheiro italiano Ettore Fenderl, relata que - aos 14 anos de idade e a fim de comemorar o carnaval de 1875 em sua cidade (Trieste), porém sem dinheiro para comprar os confetes de giz - teve a ideia de pegar papel colorido, fazer tiras e cortá-los com a tesoura. Subindo em um terraço, ele começou a jogar aqueles pedaços de papel na multidão, deixando as moças com seus cabelos repletos de confetes (Beretta, 2009). Contudo, a invenção também é reivindicada por outro italiano, Enrico Mangili. Dono de uma fiação em Milão, ele teria tido a ideia de reciclar os disquetes que sobravam das folhas de papel perfuradas, utilizadas na cama para a criação do bicho da seda. Não demorou muito para que os confetes passassem a ser "vendidos por vendedores ambulantes na Galleria de Milão a 5 ou 6 centavos por cada colher medidora de castanhas assadas" (Beretta, 2009). 

À Mangille também é creditada a invenção da serpentina. Pequeno rolo de papel fino, geralmente colorido, teria surgido de sua proposta de reciclar os rolos de fita para o telégrafo. Porém, assim como no confete, há ainda as versões de que ela fora inventada em Paris, em 1892/1893, por um empregado do telégrafo, cujo nome é desconhecido e que trabalhou na agência dos Correios, usando tiras de papel código Morse ou por um "comerciante francês para uma bailarina chamada Loie Fuller, que teria inventado a 'dança da serpentina' num cabaré parisiense" (Costa, 2000, p.49).

O certo é que, no fim do século XIX, tanto o confete quanto a serpentina já eram largamente utilizados no carnaval de Porto Alegre, tanto que Beija-Flor, colunista do jornal A Gazetinha (Porto Alegre, 15/02/1896), vinha a público troçar:

Dizem por aí:
[...] - que um conhecido negociante, quando está no auge do seu entusiasmo, pelo confete, atira-se junto com os mesmos, parecendo querer a sua devorar inimiga...
Cuidado não vá machucar a cartola...
[...] - que tem causado grande sucesso o brinquedo do confete: uma jovem tomou tanto confete que, ao chegar em casa, foi desconhecida tal era a transformação que se via pelo rosto da moça... E a velha que ignorava o motivo de tantas cores, perguntou: Mariquinhas, que manchas são essas? Ao que ela respondeu: são confete de um moço da Rua da Praia, mamãe.
- que uma respeitável casada, quando passava pela Rua dos Andradas foi agredida por uns moços, que lhe jogaram serpentina, e ela, furiosa pela falta de respeito, disse: tire essa tripa daqui, seu Chico, que eu quando quiser divertir-me tenho o meu marido em casa! 
Bravos como está comportada...
- que uma costureira, ao sair das oficinas, foi jogar confete com um caixeiro, no União...
Com certeza também viu lá as serpentinas...
- que uma senhora casada, na Rua da Praia, possuiu-se tanto no jogo do confete, que só gritava: sossega Leitão...
Essas familiaridades sem o conhecimento do marido, é mais do que ... grave...
[...] que o Martins da Luzo teve muita inveja do marques das castanholas, na noite de quinta-feira, por vê-lo todo atirado, no meio das moças, envolto nos confete. Está em pouco, meu velho, mete-te n'uma cartola e arma-te de uns pacotes dos mesmos e zás! nos guabijús!...

Em tom crítico-jocoso, característico da respectiva folha, o Beija-Flor anunciava que conhecido negociante, mulher casada, jovem moça ou costureira, todos acabavam por entrar na brincadeira do confete e da serpentina. Fazendo uso de conotações sexuais, ele caracterizava a prática carnavalesca como um momento de burla dos condicionamentos morais: ora é a senhora casada que se divertia sem o conhecimento do marido, ora são os homens atirados no meio das moças ou a costureira que via as “serpentinas” do caixeiro viajante. Há de se destacar que, preocupado em promover “comportamentos ideais para se viver, saudável e harmoniosamente, em sociedade”, o jornal A Gazetinha promoveu “uma campanha aberta contra a prostituição e os focos de imoralidade de Porto Alegre” (Becker, 2007, p. 194). Nesse sentido, observa-se a denúncia dos comportamentos tidos como desviantes que tinham no carnaval, e mais especificamente nas brincadeiras de confete e serpentina, oportunidade de serem praticados.

Se para A Gazetinha havia ameaça aos bons costumes no jogo do confete e da serpentina, para o jornal Correio do Povo ela não passava de uma singela brincadeira. Sinalizando a permanência do entrudo no carnaval porto-alegrense, o jornal afirmava ser muito pouco para os foliões "o inocente prazer de enroscar fitas de papel ou de peneirar confete sobre os bustos de suas amadas". Preferindo "escorropichar o líquido das suas bisnagas sobre formas que em pouco se lhes desenhariam patentes e precisas num vivo relevo, acentuado pela aderência de vestes úmidas que acompanhassem as linhas de todo o perfil", no carnaval não haveria nada melhor do que o "Amor Molhado!" (Correio do Povo, Porto Alegre, 07/02/1897). 

Além de apetrecho nas disputas carnavalescas, travadas nas ruas ou bailes, o confete e a serpentina também eram arremessados pelo público que assistia ao desfiles das sociedades carnavalescas como sinal de aprovação. Noticiando o carnaval de 1910, o jornal A Federação (Porto Alegre, 09/02/1910, p.4), por exemplo, destacava que as três agremiações que passaram pela rua dos Andradas - Esmeralda, Venezianos e Tenentes do Diabo - estiveram sempre "cobertos de confete, serpentinas e palmas sem conta". 

Símbolos da civilização e do progresso do moderno carnaval, essas armas da folia seguem fazendo a alegria dos brincantes que até hoje veem na sua prática um brilho a mais na festa que tanto nos apraz! 


Referências
BECKER, Gisele. A construção da imagem da prostituição e da moralidade em Porto Alegre pelo jornal Gazetinha: Uma análise dos códigos sociais segundo a Hipótese de Agendamento (1895-1897). Tese (Doutorado em Comunicação Social), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
BERETTA, Roberto. Confete. O desafio dos inventores. Avenire, 22 fev. 2009. Disponível em: https://www.avvenire.it/agora/pagine/la-disfida-degli-inventori_200902230922057700000. Acesso em: 02 ago 2024.
COARACY, Vivaldo. Encontros com a vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.
COSTA, Haroldo. 100 do Carnaval no Rio de Janeiro. Irmãos Vitale: São Paulo, 2000.
FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Ediouro: Rio de Janeiro, 2004.
FERREIRA, Felipe. O triunfal passeio do Congresso das Summidades Carnavalescas e a fundação do moderno carnaval no Brasil. Terceira Margem, Rio de Janeiro, n. 14, p. 11-2, jan-jun 2006.
GHENO, Vera. Chiacchierando Di Carnevale: Parole, Detti e Maschere Della Festa. N.p., 2019. Disponível em https://flore.unifi.it/handle/2158/1258726. Acesso em: 02 maio 2024.

Post a Comment