No Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, em 1855, já há registro da intenção de uso do confetti durante aquele que haveria de ser conhecido como o primeiro desfile de carnaval da folia brasileira, o do Congresso das Sumidades Carnavalescas. Após a publicação do programa da sociedade, com a descrição do itinerário a ser percorrido e da composição dos grupos que dele tomariam parte, o jornal Correio Mercantil (Rio de Janeiro, 14/02¹855) destacava que:
Os membros do Congresso atravessarão a cidade em todos os ângulos e invadirão os faubourgs da gentry e da fashion fluminense. Os bouquets e os confetti serão os projéteis de guerra dos galhofeiros invasores; e esperam ser combatidos com iguais armas.
Ato fundador do moderno carnaval no Brasil, o desfile das Sumindades instituiu "uma origem para o carnaval brasileiro através de um vínculo estreitado não com o passado do país, mas com a genealogia da festa europeia" (Ferreira, 2006, p. 19) e influenciou a formação de outros grupos carnavalescos a adotarem o mesmo formato de carnaval. Esse foi o caso das sociedades carnavalescas porto-alegrenses, Esmeralda e Os Venezianos, que, surgidas em 1873, fizeram seu primeiro desfile no ano seguinte. Anunciando o referido préstito, o jornal A Reforma (Porto Alegre, 12/02/1874, p.2) instruía que:
Imponente e agradável deve ser o passeio carnavalesco, se como é uso em todas as cidades civilizadas, os moradores prepararem suas testadas convenientemente; e se embelezam suas janelas com damascos e outros enfeites; e se finalmente, em vez do limão prejudicial jogarem confeitos e flores.
A Reforma, Porto Alegre, 30/01/1875, p.2. |
Já o confete de papel, tal qual conhecemos hoje, só seria introduzido posteriormente. O engenheiro italiano Ettore Fenderl, relata que - aos 14 anos de idade e a fim de comemorar o carnaval de 1875 em sua cidade (Trieste), porém sem dinheiro para comprar os confetes de giz - teve a ideia de pegar papel colorido, fazer tiras e cortá-los com a tesoura. Subindo em um terraço, ele começou a jogar aqueles pedaços de papel na multidão, deixando as moças com seus cabelos repletos de confetes (Beretta, 2009). Contudo, a invenção também é reivindicada por outro italiano, Enrico Mangili. Dono de uma fiação em Milão, ele teria tido a ideia de reciclar os disquetes que sobravam das folhas de papel perfuradas, utilizadas na cama para a criação do bicho da seda. Não demorou muito para que os confetes passassem a ser "vendidos por vendedores ambulantes na Galleria de Milão a 5 ou 6 centavos por cada colher medidora de castanhas assadas" (Beretta, 2009).
À Mangille também é creditada a invenção da serpentina. Pequeno rolo de papel fino, geralmente colorido, teria surgido de sua proposta de reciclar os rolos de fita para o telégrafo. Porém, assim como no confete, há ainda as versões de que ela fora inventada em Paris, em 1892/1893, por um empregado do telégrafo, cujo nome é desconhecido e que trabalhou na agência dos Correios, usando tiras de papel código Morse ou por um "comerciante francês para uma bailarina chamada Loie Fuller, que teria inventado a 'dança da serpentina' num cabaré parisiense" (Costa, 2000, p.49).
O certo é que, no fim do século XIX, tanto o confete quanto a serpentina já eram largamente utilizados no carnaval de Porto Alegre, tanto que Beija-Flor, colunista do jornal A Gazetinha (Porto Alegre, 15/02/1896), vinha a público troçar:
Dizem por aí:
[...] - que um conhecido negociante, quando está no auge do seu entusiasmo, pelo confete, atira-se junto com os mesmos, parecendo querer a sua devorar inimiga...
Cuidado não vá machucar a cartola...
[...] - que tem causado grande sucesso o brinquedo do confete: uma jovem tomou tanto confete que, ao chegar em casa, foi desconhecida tal era a transformação que se via pelo rosto da moça... E a velha que ignorava o motivo de tantas cores, perguntou: Mariquinhas, que manchas são essas? Ao que ela respondeu: são confete de um moço da Rua da Praia, mamãe.
- que uma respeitável casada, quando passava pela Rua dos Andradas foi agredida por uns moços, que lhe jogaram serpentina, e ela, furiosa pela falta de respeito, disse: tire essa tripa daqui, seu Chico, que eu quando quiser divertir-me tenho o meu marido em casa!Bravos como está comportada...
- que uma costureira, ao sair das oficinas, foi jogar confete com um caixeiro, no União...
Com certeza também viu lá as serpentinas...
- que uma senhora casada, na Rua da Praia, possuiu-se tanto no jogo do confete, que só gritava: sossega Leitão...
Essas familiaridades sem o conhecimento do marido, é mais do que ... grave...[...] que o Martins da Luzo teve muita inveja do marques das castanholas, na noite de quinta-feira, por vê-lo todo atirado, no meio das moças, envolto nos confete. Está em pouco, meu velho, mete-te n'uma cartola e arma-te de uns pacotes dos mesmos e zás! nos guabijús!...
Em tom crítico-jocoso, característico da respectiva folha, o Beija-Flor anunciava que conhecido negociante, mulher casada, jovem moça ou costureira, todos acabavam por entrar na brincadeira do confete e da serpentina. Fazendo uso de conotações sexuais, ele caracterizava a prática carnavalesca como um momento de burla dos condicionamentos morais: ora é a senhora casada que se divertia sem o conhecimento do marido, ora são os homens atirados no meio das moças ou a costureira que via as “serpentinas” do caixeiro viajante. Há de se destacar que, preocupado em promover “comportamentos ideais para se viver, saudável e harmoniosamente, em sociedade”, o jornal A Gazetinha promoveu “uma campanha aberta contra a prostituição e os focos de imoralidade de Porto Alegre” (Becker, 2007, p. 194). Nesse sentido, observa-se a denúncia dos comportamentos tidos como desviantes que tinham no carnaval, e mais especificamente nas brincadeiras de confete e serpentina, oportunidade de serem praticados.
Se para A Gazetinha havia ameaça aos bons costumes no jogo do confete e da serpentina, para o jornal Correio do Povo ela não passava de uma singela brincadeira. Sinalizando a permanência do entrudo no carnaval porto-alegrense, o jornal afirmava ser muito pouco para os foliões "o inocente prazer de enroscar fitas de papel ou de peneirar confete sobre os bustos de suas amadas". Preferindo "escorropichar o líquido das suas bisnagas sobre formas que em pouco se lhes desenhariam patentes e precisas num vivo relevo, acentuado pela aderência de vestes úmidas que acompanhassem as linhas de todo o perfil", no carnaval não haveria nada melhor do que o "Amor Molhado!" (Correio do Povo, Porto Alegre, 07/02/1897).
Além de apetrecho nas disputas carnavalescas, travadas nas ruas ou bailes, o confete e a serpentina também eram arremessados pelo público que assistia ao desfiles das sociedades carnavalescas como sinal de aprovação. Noticiando o carnaval de 1910, o jornal A Federação (Porto Alegre, 09/02/1910, p.4), por exemplo, destacava que as três agremiações que passaram pela rua dos Andradas - Esmeralda, Venezianos e Tenentes do Diabo - estiveram sempre "cobertos de confete, serpentinas e palmas sem conta".
Símbolos da civilização e do progresso do moderno carnaval, essas armas da folia seguem fazendo a alegria dos brincantes que até hoje veem na sua prática um brilho a mais na festa que tanto nos apraz!