Amelina Chagastelles. Rainha dos Venezianos. Retirado do jornal O Independente, 06 de fevereiro de 1910. |
Abstract: Porto Alegre’
Carnival, at the beginning of the twentieth century, is represented by Emerald
and Venetians, through transformations that can be understood from the
perspective of gender studies. From sinful Evas, as women, they became Marias,
modest and redeeming. The present on the way of human women, in the case of the
end of human women, in the case of a power of involved in portugal of elite. ,
the Military Brigade of Rio Grande do Sul and the cadres of the Riograndense
Republican Party in the carnival societies.
Keywords: gender relations, carnival, positivism
O início da década de 1870, em Porto
Alegre, é marcado por uma intensa campanha jornalística de combate às
brincadeiras de entrudo[1].
Considerado um jogo bárbaro, grosseiro e licencioso deveria ser substituído por
uma forma civilizada, moderna e decorosa de se comemorar os dias de Momo: o
carnaval veneziano[2].
Desta forma, em 1873, surge em Porto Alegre a Sociedade Carnavalesca Esmeralda e a Sociedade Carnavalesca Os Venezianos. Nesse novo carnaval as mulheres perderiam
seus espaços: protagonistas nas brincadeiras de entrudo – tanto mulheres da
elite, quanto de classes populares -, no carnaval veneziano, deveriam assistir
e aplaudir aos desfiles promovidos pelos homens das referidas agremiações. Embora
tenham feito sucesso, Esmeralda e Venezianos se retirariam da , ainda no século
XIX, e entre os motivos apresentados para a falência, estava a insistência do
público feminino na prática entrudesca. Os Venezianos, em seu programa para o carnaval do ano de 1882,
enfatizavam a permanência da “perniciosa bisnaga” e o fato de elas “emanarem de
delicadas e alvas mãozinhas” [3]
que continuavam a contaminar o carnaval. Eram as Evas a pecar no paraíso!
Com o desaparecimento das tradicionais agremiações e
o aparecimento de novas formas de brincar a festa – que passou a ser promovida
por outros sujeitos, não pertencentes às elites da cidade –, a imprensa da
capital demonstrava um grande descontentamento com o festejo. O jornal O
Independente alertava para uma “licenciosa libertinagem que vai aos poucos
corrompendo a nossa juventude, em uma ameaça feroz e real às bases
sacratíssimas do lar, à moral da família que é o fundamento do edifício social.
Todas essas considerações vem a propósito de festa pagã e lúbrica do carnaval”[4]
No início do século XX, contudo, as
sociedades carnavalescas Esmeralda e Venezianos ressurgiriam nos festejos
carnavalescos da cidade de Porto Alegre. Essa nova fase foi marcada por modificações
no que tange a participação das mulheres. Além da ampliação dos espaços ocupados pelas
mulheres no carnaval proposto pelas referidas agremiações, se observa que houve
mudanças na representação das carnavalescas. As mulheres que participavam da
festa passaram a ser louvadas por seus
comportamentos irrepreensíveis e por sua conduta moral, livrando a cidade
daquela concupiscência deflagrada na virada do século. Neste sentido, as
rainhas das sociedades carnavalescas ocuparam especial lugar, se tornando modelos de virtude e beleza,
figurando como Marias nos festejos promovidos por Esmeralda e Venezianos[5].
Num primeiro momento, portanto, as mulheres
participavam apenas como espectadoras e embelezadoras da festa promovida por
Esmeralda e Venezianos. Figuraram como uma das causas do fracasso do carnaval
por serem as maiores entusiastas com a perniciosa brincadeira do entrudo. Porém,
ao renascerem Esmeralda e Venezianos, passaram a organizar os festejos
burlescos e, acima de tudo, representavam a figura do bom carnaval, da moral e
bons costumes, a representação da regeneração moral do carnaval. O que teria provocado essa mudança
no discurso, tanto da imprensa, quanto das próprias sociedades carnavalescas,
que passara a exaltar a ativa participação feminina, atribuindo-lhes o
reerguimento e a nova feição do carnaval? Quais seriam as razões para essa
glorificação das mulheres na nova fase dessas agremiações? Mulheres que antes
eram criticadas por se entregarem ardorosamente à festa passaram a ser
enaltecidas por isto? Por que as mulheres passaram de Evas a Marias?
O
presente artigo busca apresentar a apropriação do ideário positivista pela
elite local como um dos motivos para a transformação da participação das
mulheres no carnaval de Porto Alegre. Buscarei mostrar que, com participação de
membros da elite política e militar nos quadros destas associações, se teceram
redes de poder que ajudam a entender o processo de genderização da festa.
A Porto Alegre de
Clotilde de Vaux
Na
virada do século XIX para o XX, momento marcado pela ausência de Esmeralda e
Venezianos, se percebia na imprensa porto-alegrense
um grande descontentamento com o tipo de festa carnavalesca que estava sendo
feita na cidade.
Declarações de que o carnaval era uma festa cada vez mais plebeia, mais abjeta,
altamente imoral e que se devia zelar pela moral pública[6]. A fim de atingir o progresso, a
organização e regeneração moral da sociedade se fazia importante. E se o
carnaval de Porto Alegre era sintomático de uma “sífilis social”[7], era preciso uma festa que a
livrasse desse mal.
Dessa forma, a partir do renascimento de
Esmeralda e Venezianos, a moralidade passou a ser a tônica dos discursos
proferidos pela imprensa, bem como sinal de distinção do carnaval da cidade De
acordo com o jornal Correio do Povo,
“Porto Alegre é uma exceção. Seu Carnaval é um ressumbramento de arte e
galanteria, de elegância e moralidade” [8].
E, talvez por esse motivo, nessa nova fase, o jornal O Independente destacasse que “durante os três dias de carnaval a rua dos Andradas
encontrava-se cheia de famílias”[9].
Outro
argumento utilizado para enaltecer o carnaval após o retorno de Esmeralda e
Venezianos e que justificaria a sua superioridade moral seria o fato do povo
ter aprendido a apreciar os festejos com o devido comedimento: “ o poviléu não
se desmanda na expansão de suas alegrias; não se excede, porque já se acostumou
a essa espécie de domínio que a virtude exerce do alto[10]. O povo já não mais transgredia às
ordens em função do carnaval, já havia compreendido que seu papel era apreciar
a festa oferecida por Esmeralda e Venezianos: seu entusiasmo com o reinado de
Momo era “todo respeitoso e discreto, pois que, representando uma divindade
mitológica ou um herói contemporâneo, um pugilo de amazonas ou um esquadrão de
média idade, – o povo vê passar a donzela encantadora e gentil portadora de um
nome respeitado, o cavalheiro qualificado, o escol da sociedade indígena” [11].
Através
da Religião da Humanidade, Auguste Comte pregava a necessidade de uma nova
crença pautada pela a elevação moral do homem e, neste sentido, as mulheres
tiveram papel fundamental. Segundo Silva (2004, p.10) se defendia a reforma da
sociedade a partir da formação moral e do caráter a ser ensinado “desde os
primeiros anos da criança, devendo ser tarefa da família, especialmente da
mulher como a primeira educadora, a valorização das primeiras manifestação do
altruísmo na criança”. Ao considerar a mulher como a responsável pela manutenção
da moral, Comte conferiu “modelos de conduta feminina baseados na mentalidade
patriarcal, formada ao longo da História da Humanidade” (ISMÉRIO, 2005, p.158). Para atingir esses modelos, a “mulher deveria
ser a rainha do lar e o anjo tutelar de sua família” (ISMÉRIO, 2005, p.158) e,
assim, seguir a normas preestabelecidas pelo Catecismo Positivista, no qual “Comte
codificou todo o pensamento conservador em torno da mulher” (ISMÉRIO, 2005,
p.158).
Na
doutrina elaborada por Comte, a mulher era o gênero que melhor representaria o
altruísmo – único a fornecer a base para a convivência social na nova sociedade
sem Deus –, daí ser ela o símbolo ideal para a humanidade, que vinha em
primeiro lugar na escala de valores positivistas (CARVALHO, 1995, p.81). Contudo, “apesar da grande ênfase
no papel feminino, apesar da declaração da superioridade da mulher sobre o
homem” (CARVALHO, 1995, p.81), Comte acabava atribuindo “o papel tradicional de
mãe e esposa, de guardiã do lar, pois era assim que a mulher garantia a
reprodução da espécie e a saúde moral da humanidade” (CARVALHO, 1995, p.93). Para ele, “na preservação da espécie, o papel
da mulher não se limitaria a reprodução, mas se daria especialmente na família,
em que, como mãe, ela teria a responsabilidade da formação moral do futuro
cidadão” (CARVALHO, 1995, p.93).
Esse
modelo de mulher, mãe, esposa responsável pela saúde moral da sociedade foi
proposto por Comte, inspirado em Clotilde de Vaux, jovem que conheceu e por
quem se apaixonou. Nascida em abril de 1815, veio a falecer em maio de 1846 –
dois anos após o encontro com Comte. Iniciaram uma amizade amorosa que
“transmudou-se em uma paixão sublimada” (SOARES, 1998, p.74), haja vista
Clotilde ser ainda casada com Amadeo de Vaux. Essa paixão ficou restrita à
adoração platônica e Comte, já amadurecido “em suas ideias quanto à
indissolubilidade do vinculo matrimonial no regime monogâmico, à proibição do
divórcio e à viuvez eterna, chegou à conclusão de que o afeto entre ambos
deveria oferecer à posteridade uma imagem de inalterável pureza” (SOARES, 1998,
p.75). Foi Clotilde quem despertou em Comte um melhor conhecimento da natureza
feminina e, “após sua morte prematura, conduzi-o ao caminho do crescente
aperfeiçoamento moral, necessário para construir a segunda parte de sua obra”
(SOARES, 1998, p.75). Assim, é a partir de seu encontro com Clotilde que se dá
o que ele chamou de sua regeneração moral. A musa de Comte “tornou-se a
representação da mulher ideal, considerando-a íntegra, pura, perfeita. Isso
ocorreu porque o filósofo nunca a tocou, tornando-a símbolo de adoração com
atributos herdados do arquétipo da Grande Mãe” (ISMÉRIO, 2005,
p. 159).
O
modelo da Grande Mãe tinha sua antítese representada por Caroline Massin. Antes
de conhecer Clotilde, Comte casou-se com Caroline, “uma prostituta, com quem teve
uma relação bastante conflituosa” (ISMÉRIO, 2005, p.
159), vindo a separar-se dela quase vinte
anos após o casamento. De acordo com Ismério (2005, p.159), “a primeira foi
moldada a partir do arquétipo de Maria, A Virgem, e a segunda no de Eva, A
Pecadora”.
Se,
por um lado, as mulheres que permaneceram jogando o entrudo em Porto Alegre
foram culpabilizadas pelo fim do carnaval venezianos, simbolizando Evas, a
pecar no paraíso, ou até mesmo, Caroline Massin; por outro, no momento de
renascimento dessas agremiações, elas seriam as Marias do carnaval, a
personificação de Clotilde de Vaux. Desta forma, foi atribuído às mulheres um
importante papel na tarefa de regeneração moral do carnaval de Porto Alegre. O
jornal Correio do Povo exultava o
culto á mulher e a reforma que estavam a executar em prol da regeneração da
festa:
E é realmente belo de ver-se e edificante de sentir-se, esse culto da Mulher, quando o inspiram sentimentos de alegria sã e quando em torno de almas de arminho.Porque a verdade é esta: entre nós, e por honra nossa, o Carnaval quase que completamente deixou de ser a folia pagã na convulsão dos gozos profanos, exaustivos, e sim um pretexto para desafogarem-se os espíritos das amarguras e do tédio do diuturno viver afanoso e volverem-se, numa ânsia de consolação e de alegre remanso, para as mil formas de endeusamento do sexo que é flor de ideal atração[12].
Livrando
Porto Alegre da folia pagã e dos gozos profanos, as mulheres passaram a figurar
como elemento de regeneração moral das festas carnavalescas, nesse renascer
esmeraldino e venezianos. Assim como a família, o carnaval passara a ser uma
instituição em que se primava por uma educação carregada pela formação moral e
de responsabilidade feminina, afinal “era a linda, a grácil Mulher
porto-alegrense que fazia o Carnaval. Por isso vinha ele tão garboso, tão
gentil e tão chic. Por isso tinha sido possível o milagre de sua
ressurreição”[13].
As jovens rainhas das sociedades
carnavalescas, filhas de famílias importantes e conhecidas da cidade - “a
donzela encantadora e gentil portadora de um nome respeitado” -tiveram especial
função na representação da regeneração moral do carnaval de Porto Alegre.
Solteiras, entre doze e dezenove anos, exaltadas por sua beleza, graça,
candura, fineza, instrução, modéstia e dotes morais, nenhuma
outra mulher era mais exaltada do que elas no carnaval. Para as rainhas eram
dedicados bailes, tea concerts, exposições de seus retratos,
vários eventos que pretendiam consagrar a soberana da agremiação. Por meio do
carnaval se difundia
o ideal de uma mulher que deveria ser: bonita, mas ingênua; culta, mas modesta;
elegante e, sobretudo, moralizada. Essa imagem era veiculada não somente pela
fala, como também nas fotografias que eram tiradas das rainhas e expostas nas
vitrines das principais ruas da cidade, disponível aos olhos de todos! Eram as
Marias o símbolo do carnaval!
Todavia,
se em Porto Alegre essas donzelas eram a figura central do carnaval, “em outros
grandes centros as festas de Carnaval são a consagração das hetairas da flor e
do vício”[14]. No
Rio de Janeiro, nos desfiles de suas tradicionais sociedades, as mulheres
apareciam como forte atração popular, sobretudo, a partir da década de 1870.
Entretanto, as mulheres que desfilavam eram célebres meretrizes ou as “hetairas
da flor e do vício” e não “as boas moças de família”, as “donzelas de um nome
respeitado” do carnaval porto-alegrense. Seus préstitos traziam “‘deusas’ pouco
vestidas e expondo ao público aquelas mulheres de luxo – inacessíveis aos
bolsos populares, mas provavelmente frequente em suas fantasias” (CUNHA, 2001,
p. 147). O carnaval tido como mais familiar,
no qual não eram prostitutas a desfilar, só se daria nas menores sociedades
carnavalescas, dos subúrbios cariocas, nas quais a presença de moças de família
era comum (CUNHA,
2001, p. 147).
Em
Porto Alegre, no início da década de 1870, uma polêmica sobre a proibição do
jogo do entrudo ganhou as páginas de dois importantes periódicos da capital
gaúcha – A Reforma e o Riograndense[15].
No cerne da discussão estava o protagonismo de Maria Isabel de Sousa Alvim,
esposa do Presidente da Província do Rio Grande do Sul, Antonio da Costa Pinto
e Silva, nas brincadeiras de entrudo. Acusada de se fazer reviver o jogo, foi
moralmente atacada pelo jornal A Reforma:
“Que esta renovação do passado fosse obra da ex-marquesa nada há que admirar,
pois é muito conhecida pelo seu ardente temperamento e extraordinário calor”[16].
Em trabalho anterior (LEAL, 2008) trabalhei
com a hipótese de se comparar o comportamento da ex- marquesa de Monte Alegre
ao de uma hetera ateniense. Na Grécia Antiga, o termo hetairai era
utilizado para designar as mulheres que acompanhavam os homens no espaço
público. Segundo Ullmann (2005, p.64), “eram mulheres de alguma cultura e não
raras provindas do estrangeiro. Participavam em pé de igualdade nas
conversações com os homens que eventualmente se valiam delas para satisfação
sexual”. Essas mulheres podiam participar dos simpósios, festividades das quais
as mulheres casadas não podiam. Enquanto esposas, se restringiam apenas ao
espaço do gineceu.
Por
esse motivo, a imprensa nos apresentou uma ex-marquesa com um comportamento
condizente ao de uma hetera. Vinda de fora, de São Paulo, ela jogou o entrudo e
em espaço público, participando em pé de igualdade com os homens da
festividade. É preciso, contudo, explicar que a ex-marquesa era uma mulher
casada, diferenciando-se, nesse sentido, das heteras atenienses, embora
tenha sido atacada pelo jornal A Reforma
no que se refere à sua atitude de liberdade de agir, de forma semelhante aos
homens, rompendo com os lugares a ela destinados.
Décadas
após o ocorrido com a ex-marquesa, encontrei o jornal Correio do Povo
utilizando o mesmo adjetivo para designar as mulheres que participavam das
festas carnavalescas em outros lugares, como vimos acima. A ex-marquesa teve um
comportamento liberal e foi classificada tal qual as “hetairas da flor e do
vício”, por não corresponder à adequação dos modelos culturais que passaram a
ser relacionados ao comportamento feminino no que tange as festividades
carnavalescas.
Outros
episódios de participação de mulheres que não correspondiam a tais expectativas
geraram a indignação da imprensa: no carnaval de 1900, por exemplo, o Jornal do Comércio noticiava o escândalo
que provocava a “‘patriótica horizontal’ que, em carro
aberto acompanhada de outras três prostitutas, desfilava no carnaval de 1900
pela rua dos Andradas empunhando a bandeira nacional”[17].
O desfile desta ‘patriótica horizontal’ deve ter provocado
um verdadeiro alvoroço, sobretudo, por a moça empunhar a bandeira nacional,
verdadeiro bastião dos positivistas, a quem a moral social era tão cara. Ou
ainda, durante o
carnaval de 1904, no qual duas mulheres teriam desfilado “anunciando sua
mercadoria”, de forma clara e evidente. Chamadas de ‘pestes’ pelo jornal A Federação estavam disfarçadas apenas
pelo vestuário multicor, que dava uma reabilitação exterior, mas que tinha como
principal consequência o fato de tornar essas mulheres mais valiosas no mercado
do sexo.
Agora é um carro de tolda caída, com a clássica colcha de renda dependurada (...).Sentadas a sultana vão duas mulheres de meia máscara, uma à moda tunisina e outra em trajes de pescadora. Para bem dizer nenhuma delas representa tipo algum. Arranjaram-se, simplesmente, de modo que pudessem anunciar a sua mercadoria com toda a clareza e evidência.Talvez vão ali duas pestes, mas o vestuário multicor e espaventoso reabilita-as exteriormente. Vejam lá como se encostam, hein, olhem que vamos todas de sedas e pedras finas e não admitimos brincadeiras pesadas. E já se sabe que daqui por diante valemos mais[18].
De acordo com Sandra
Pesavento (1995, p.62), o crescimento do centro urbano da cidade passou a
oferecer ameaça à moral e aos bons costumes das famílias honradas. Estas famílias tiveram que conviver com
habitantes que “viviam na ‘contramão da ordem instituída e que apresentavam
comportamentos desviantes daqueles que a moral burguesa procurava impor”, como
por exemplo, os bêbados, jogadores, vagabundos e as prostitutas. Tal incômodo
era evidenciado pelos jornais que apresentavam um desagrado com a participação
das prostitutas nos festejos carnavalescos da cidade, bem como com sua presença
em suas principais ruas.
Entre todas as práticas
atentatórias à moral e aos bons costumes nenhuma outra atraíra “contra si uma
campanha tão acirrada como a prostituição” (PESAVENTO, 1995, p. 67). Ela era
condenada “por ser atentatória aos bons costumes, por ser uma forma de
vadiagem, negadora do trabalho e ainda por se achar associada a todos os demais
vícios da urbe: jogos, bebidas, etc” (PESAVENTO, 1995, p. 67). Além disso, era
um comportamento que “se afastava dos padrões e elementos componentes da
virtude” (CARELI, 2005, p.156), tão cara à moral social. A mulher que se
prostituía e com isso apresentava uma conduta desregrada ao “afrontar os
parâmetros estabelecidos pelo ordenamento social, servia como exemplo a ser
condenado pelas famílias, pois apesar de considerada, em tese, profissão,
paradoxalmente a prostituição não comportava a noção de trabalho que os
detentores do capital criaram” (PESAVENTO, 1995, p. 67).
Havia um temor em
relação ao contágio associado à prostituição. Contaminação tanto da parte
física, quanto moral da sociedade. Os cronistas reivindicavam à policia medidas
cerceadoras, pois a presença de mulheres em locais públicos, lugares “nos quais
as tascas se constituíam, era tida como fonte de desordens e de ações lesivas à
moral da comunidade”(CARELI, 2005, p.167). “Felizmente, acabaram os grosseiros
e brutais Zés-Pereiras, mas surgiram dos becos para a Rua dos Andradas as
horizontais de ínfima classe” [19], reclamava A Federação, em 19010. Desta forma, de
nada adiantaria regulamentar a prostituição, ao invés de acabar com o problema,
o que “ampliaria os riscos de alargar-se e contaminar ainda mais os indivíduos
social, física e moralmente” (CARELI, 2005, p.176).
Os
acontecimentos descritos acima reforçam a ideia de que o ressurgimento das
antigas sociedades veio em respaldo a uma tentativa de moralização da festa. A
figura da rainha, cheia de graça, pureza e imaculada, contrastava com a imagem
dessas mulheres, que exibiam os corpos, até mesmo como forma de propaganda de
seu negócio, como exaltou o jornal A Federação. Se o comportamento
daquelas era exaltado, o destas era criticado: seriam pestes a contaminar a
cidade.
O
diferencial do carnaval de Porto Alegre após o renascimento de Esmeralda e
Venezianos, desta forma, passa a ser a moralidade. De acordo com A Federação “formamos
um carnaval típico, que não se confunde com nenhum outro, e que tem o aspecto
de uma festa de família sem as etiquetas dos salões nobres, mas também sem os
excessos e a nudez chocante do carnaval carioca e parisiense[20].
Contudo,
por mais que este carnaval moralizado e familiar fosse exaltado, encontramos,
mesmo após o renascer das tradicionais sociedades, agremiações que se pautavam
mais pelo modelo de carnaval da capital do país, do que pelo que aqui era
apregoado como correto e sinal de distinção dos nossos festejos. No ano de
1907, a sociedade Boêmios Carnavalescos
trouxe algumas mulheres da vida noturna para seu desfile. Nos anúncios de
jornal, convidavam as “gentilíssimas ninfas” para seus bailes à fantasia[21], no qual “Rir e folgar – mulheres e
champagne, eis o nosso ideal”, aparecia como lema. Esse comportamento,
provavelmente, não era bem aceito, haja vista não haver nenhuma referência ao
episódio, tanto no jornal A Federação, quando no Jornal do
Comercio. Lazzari já acentuava que “a repercussão da proeza parece ter
sido convenientemente abafada pela imprensa, de forma que pouco se sabe a
respeito desta sociedade e do que realmente aconteceu além de rumores
posteriores ao fato” (LAZZARI, 2001).
Em
1971, Walter Spalding escreveu um artigo no jornal Correio do Povo, intitulado “No
tempo dos limões de cheiro e das batalhas de flores”, no qual faz uma
rememoração sobre os antigos carnavais porto-alegrense. Segundo ele, os Boêmios Carnavalescos estavam ligados ao
Clube Cara Duras e “contra qual a
imprensa reclamou veementemente. É que seus carros alegóricos e todos os
participantes femininos pertenciam à vida noturna, o que muito escandalizou a
sociedade”[22]. A presença
das prostitutas nos desfiles de carnaval era um incômodo para a elite,
sobretudo, se durante os dias de carnaval não fossem as “honradas moças da
terra” que estivessem a se exibir nos carros e sim as “moças da vida”.
Joan
Scott, ao propor o gênero - o saber a
respeito das diferenças sexuais, “um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e [...] o primeiro modo
de dar significados às relações de poder” (SCOTT, 1990, p.15) – como uma
categoria de análise histórica, elenca quatro aspectos fundamentais de análise:
os símbolos, os conceitos normativos, uma noção de política e referências às
instituições bem como a organização social e por fim a identidade subjetiva.
O carnaval é uma festa repleta de simbologia, na
qual os signos “culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas”
(SCOTT, 1990, p.14) se fazem presentes a todo instante. As representações
simbólicas invocadas em seus contextos específicos permitem que percebamos os
símbolos de modo dicotômico, antipodal: tais signos estão carregados de juízos
de valor e se aplicam à figura feminina. As mulheres, de acordo com seu
comportamento – percebido como adequado ou não em determinado contexto
histórico –, são rotuladas como Evas ou Marias, purificadas ou poluídas,
inocentes ou corrompidas (SCOTT, 1990, p.14). Nesse sentido, observamos que,
durante os festejos carnavalescos em Porto Alegre, as atitudes femininas podiam
ser louvadas e reverenciadas pelos jornais ou recriminadas com acusações em
torno da moralidade e da licenciosidade.
No que se refere aos conceitos normativos,
“expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou
jurídicas” (SCOTT, 1990, p.14), entendo que a mudança nas estruturas políticas
brasileiras – a partir do final do Império e início da República e a
instauração, no Rio Grande do Sul, de um governo que, como veremos, foi fortemente
inspirado em um positivismo difuso – influenciou nessa transformação das
relações de gênero e dos espaços e lugares ocupados pelas mulheres nos festejos
carnavalescos. Isso se deve ao fato de que o modelo de carnaval aqui estudado –
representado, principalmente, pelas sociedades Esmeralda e Venezianos – foi
idealizado no final do século XIX, ainda no período do Império, tendo
desaparecido quase que ao mesmo tempo em que esse regime político. Quando
ocorreu o ressurgimento dessas duas sociedades – já sob a República e com o
Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) ocupando a presidência do estado –
percebemos uma mudança no que se refere às práticas e lugares ocupados pelas
mulheres durante os festejos, tendo a participação das mulheres sofrido a
mediação dos ideais de mulher difundidos pelo castilhismo e sua interpretação
do pensamento positivista, bem como as diretrizes do catolicismo no Brasil
(LEAL, 2013, p. 116-134). Esses
conceitos normativos que “tomam a forma típica de uma oposição binária, que
afirma de maneira categórica e sem equívocos o sentido do masculino e do
feminino” (SCOTT, 1990, p.14), permitem-nos, ainda, por “em evidência as
interpretações do sentido dos símbolos, que se esforçam para limitar e conter
suas possibilidades metafóricas” (SCOTT, 1990, p.14), possibilitando-nos
enxergar como “a história posterior é escrita como se estas posições normativas
fossem produto de um consenso social mais do que um conflito” (SCOTT, 1990,
p.15), pois
quando as(os) historiadoras(es) buscam encontrar as maneiras pelas quais o conceito de gênero legitima e constrói as relações sociais, elas(es) começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da sociedade e as maneiras particulares e situadas dentro de contextos específicos , pelas quais a política constrói o gênero, e o gênero constrói a política (SCOTT, 1990, p.16).
Em
1906, ano do renascimento de Esmeralda e Venezianos, Porto Alegre era governada
por José Montaury (PRR), já em seu terceiro mandato. Nascido no Rio de Janeiro,
em 1858, “formou-se engenheiro pela Escola Politécnica, onde recebeu grande
influência da filosofia positivista” (BAKOS, 1996, p.48).
Homem de confiança de Júlio de
Castilhos estava no comando da cidade desde 1897(FRANCO, 2006).
O
Partido Republicano Riograndense (PRR) foi fundado em 23 de fevereiro de 1882,
sendo fortemente influenciado pela filosofia de Comte[23].
De acordo com Margaret Bakos (1998, p.1), “encontramos no Rio Grande do Sul, na
prática política dos administradores do estado, um empenho extraordinário em
governar a partir dos princípios desenvolvidos por Augusto Comte”. Desta forma,
quando se dá o ressurgimento de Esmeralda e Venezianos, Porto Alegre estava
politicamente identificada com os ideais positivistas de governo, moldados pelo
PRR.
Tratava-se,
todavia, de um positivismo que teve apropriado apenas uma parte de seu
conjunto, seu espírito cientificista e – embora em menor proporção – sua teoria
religiosa. Para Cruz Costa(1967, p.127), o positivismo teria chegado ao Brasil
sob os auspícios da “nova burguesia” em ascensão, em contraposição aos
interesses tradicionais dos latifundiários que dominavam o cenário político de
então. Esse novo grupo – composto por médicos, militares e engenheiros –, a
partir de 1870, teria assumido papel de importância no setor intelectual
brasileiro, e a partir dele que surgiria o movimento positivista. No Rio Grande
do Sul, sobressaiu-se uma vertente mais claramente política, tendo como símbolo
máximo a figura de Júlio de Castilhos, que passou pelas fileiras da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro (LINS, 1964, p. 64).
Nelson
Boeira (2001, p. 401), ao estudar o positivismo riograndense, afirma que o
“impacto do comtismo no Rio Grande do Sul não se restringiu às esferas da
política e da religião”, tendo impactado, igualmente, várias áreas da vida
intelectual. As ideias positivistas foram absorvidas, de uma forma ou de outra,
por uma multiplicidade de públicos que as difundiram, as desviaram e as
deformaram. A influência da simbologia extraída de Comte, não se limitou aos
projetos político-institucionais. Esse positivismo difuso, que não pode ser
entendido como fruto direto de Augusto Comte, se fez presente também na esfera
carnavalesca. As analisar as festas de Esmeralda e Venezianos - a partir de seu
renascimento, em 1906 - veremos que há uma série de significados que
correspondem a doutrina inspiradora do partido que governava o Estado e sua
capital. Essa correspondência é evidente no que tange a participação das
mulheres nos festejos, ao tornar a regeneração moral da sociedade (e do
carnaval) uma tarefa a ser desempenhada pelas mulheres; bem como a relação
entre o catolicismo e a experiência positivista que se consolidava em Porto
Alegre.
Além disso, posso afirmar
que havia uma reciprocidade entre as elites políticas e os quadros dessas
agremiações: grande parte dos associados e diretores fazia parte das elites do
PRR. Bruneilde Fontoura, diretora dos Venezianos em 1906, era filha de
Idelfonso Borges Toledo da Fontoura, positivista religioso, que era professor
da escola de Engenharia (HEINZ, 2009). Manuel Teófilo Barreto Vianna,
presidente da Esmeralda em 1910 e 1911, foi eleito para a assembleia dos
representantes do estado pelo PRR entre os anos de 1891 e 1897 (TRINDADE; NOLL,
2005). Idalina Mariante da Costa, rainha da Esmeralda em 1913, casou-se, dois
anos mais tarde, com Mansueto Bernardi, membro do PRR que, em 1918, no
lançamento da pedra fundamental do edifício da Sociedade Carnavalesca
Gondoleiros, representou o próprio presidente do estado, Borges de Medeiros, na
cerimônia[24].
Amaro de Azambuja Vilanova, que fazia parte da Comissão Central da Esmeralda no
ano de seu primeiro desfile, fez carreira no Exército, tendo sido designado
interventor federal de Pernambuco, em 1937, por Getúlio Vargas, de quem era amigo íntimo. Vilanova foi o primeiro general de
quatro estrelas do Brasil (CAMARGO, 1989, p. 222).
Além do PRR, outra
instituição que sofreu forte influência do
positivismo-castilhismo foi a Brigada Militar do Rio Grande do Sul (BMRS). Força
policial de segurança pública do estado, foi criada em 1892 e era uma
instituição forjada na “observância da disciplina e da hierarquia, com base nos
valores da guerra tudo cimentado pelo positivismo castilhista” (KARNIKOWSKI,
2010, p.96). Afonso Emílio Massot, comandante geral da Brigada Militar entre os
anos de 1917 e 1925 e patrono da instituição era um “castilhista convicto”. A
intensa ligação entre o governo do estado e a Brigada reforçava “o cimento da
corporação que acreditava na superioridade moral dos militares que sabemos ser
uma variante do positivismo muito forte nos oficiais castilhistas” (KARNIKOWSKI,
2010, p.192). Para Karnikovski (2010, p. 192), “a bem dizer todos os oficiais
da Brigada Militar eram castilhistas até a década de 40, quando a influência do
‘Patriarca Republicano’ começa a declinar dentro da milícia”. O autor prossegue
ao enfatizar que o “positivismo em seu discurso da ordem e do progresso sob o
signo da ciência, se constituiu na principal argamassa ideológica dos oficias
da Brigada Militar, além de ser o sacramento que fundamentava o regime
castilhista-borgista” (KARNIKOWSKI,
2010, p.192). A importância de se observar a influência do
positivismo-castilhismo sobre os quadros da BMRS reside no fato de grande parte
dos membros e diretores de Esmeralda e Venezianos estar ligada a corporação: o
próprio Afonso Emílio Massot será presidente da Venezianos em vários anos (1909,
1912 e 1913).
Assim como BMRS, o Exército Brasileiro
também era um bastião da ideologia Comteana. Segundo Frank McCann (2007, p.40),
o corpo de oficiais do Exército Brasileiro provinha de famílias sem muitos
recursos, que aconselhavam os filhos a ingressarem em uma das três escolas
militares do país, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre ou em Fortaleza. O
coronel Benjamin Constant, professor de matemática, foi o principal expoente da
filosofia positivista dentro das escolas e do exército.
Desta forma, é interessante ressaltar
que grande parte das rainhas das sociedades carnavalescas eram filhas de
militares, seja da BMRS ou do Exército Brasileiro: Themira de Azevedo, rainha
da Venezianos em 1908, era filha de Amphilóquio de Azevedo, tenente-coronel do
estado maior[25] e
professor da Escola de Guerra[26];
Laura Brasil Paes, rainha da
esmeralda em 1909, era filha do coronel Miguel de Oliveira Paes[27]; Amelina Chagastelles, rainha da
Esmeralda em 1910, era filha de Joaquim Pantaleão Teles Queiros Filho, primeiro
Comandante-Geral da recém-criada Brigada Militar do Rio Grande do Sul, em 1892[28]; Elythia, rainha da Sociedade
Carnavalesca Esmeralda, em 1911, era filha de João Leocádio Pereira de Melo[29], comandante Tenente-coronel, desde
1894[30], diretor do arsenal de guerra[31]; Marina de Souza Neves, rainha da
Esmeralda em 1914, era filha de Arthur Pinto de Souza Neves, tenente do Estado
maior[32]. Ao considerarmos que,
grande parte dos integrantes das sociedades carnavalescas faziam parte dos
quadros, tanto da Brigada Militar, quanto do Exército Brasileiro, corrobora-se
a evidência da presença do positivismo, mesmo que de modo difuso, na maneira de
se ver e fazer o carnaval.
Outro indício dessa influência pode ser
percebido a partir da utilização de um jargão positivista pelo jornal Correio do Povo, para comentar o baile promovido
pela Esmeralda, em 1908. Ao descrever o baile, o periódico afirmou que “à meia
noite ouviu-se a palavra de ordem: ‘máscaras abaixo’. E realmente era de justiça
que se tratasse, quanto antes, de viver
às claras no seio de uma sociedade tão nobre e que é verde...”[33]. Verde era a cor da Esmeralda e viver às
claras era uma máxima do positivismo. De acordo com Bosi (VER ANO, p.
158), “o ethos comteano levava ao ideal
de uma sociedade onde predominassem os valores de verdade e transparência:
viver às claras, vivre au grand jour”.
O Correio do Povo ratificava a ideia
de superioridade moral dos membros da Esmeralda, fazendo um trocadilho com as
máscaras usadas no baile carnavalescos e as máscaras da vida: máscaras abaixo.
Em 1907, no
primeiro préstito realizado pela Esmeralda, após seu renascimento, o Jornal do Comércio noticiava que Benjamin
Flores - um dos membros do movimento de restauração da S. C. Esmeralda, eleito
secretário da agremiação nesse ano[34] - “o
cônsul do deus Momo, junto á Esmeralda, trajará costume de gala civil, colete e
gravata da cor do positivismo, tendo na mão direita o sagrado bastão e na
sinagoga a coroa, lapidada em alto relevo...[35]”.
Tal descrição aponta, novamente, para a
estreita relação entre os ideais positivistas e a referida agremiação e seus
membros, uma vez que, os indivíduos que se pensam e se visualizam como membros
de uma coletividade, acabam por expressar símbolos que apregoam valores, medos,
aspirações dos os ideais em que acreditam.
Conclusão
Procurei
demonstrar que o carnaval de Porto Alegre, no início do século XX, –
representado pelas sociedades carnavalescas Esmeralda e Venezianos – foi
marcado por transformações que podem ser entendidas através da ótica dos
estudos de gênero. De Evas, entrudeiras, pecadoras; as mulheres passaram a
figurar como Marias, rainhas, recatadas e redentoras.
A busca por explicações para essa transformação deve
levar em conta que o
ressurgimento das tradicionais sociedades carnavalescas se dá em um momento
posterior à implementação do regime republicano no país – trazendo consigo um
conjunto de mudanças significativas e, no Rio Grande do sul, a ascensão de um
partido político ideologicamente orientado pelo comtismo-castilhismo. Como
capital do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre “gozava de uma importância
singular pelo papel desempenhado na consolidação da hegemonia do Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR)” (BAKOS, 1996, p. 13). Muitos sócios de Esmeralda
e Venezianos também pertenciam aos quadros do partido.
Além disso, a
ativa participação dos militares no carnaval de Porto Alegre, a influência do
positivismo castilhista, tanto na Brigada Militar do Rio Grande do Sul, quanto
do Exécito Nacional, e a crença na “superioridade moral dos militares”
(KARNIKOWSKI, 2010, p.192.) podem, de certo modo, explicar as modificações
ocorridas nos festejos carnavalescos na capital. Mesmo que nem todos os membros
dessas agremiações pudessem “ser definidos como 'positivistas' em sentido
doutrinário, a maioria compartilhava uma série de códigos culturais impregnados
por aquilo que Nelson Boeira classificou como positivismo político e
positivismo difuso” (Apud HEINZ, 2009, p.03).
A
moral social era um dos caros princípios do positivismo e o renascimento das
tradicionais sociedades promoveria, aos olhos da imprensa, uma regeneração
moral dos festejos carnavalescos. Aos moldes da doutrina que estava a inspirar,
essa tarefa foi delegada às mulheres. A presença das filhas de oficiais da BMRS
e do Exército nos desfiles e a expectativa moral que era gerada sobre pessoas
tão ilustres em nossa sociedade, podem nos dar indícios deste carnaval mais
recatado, proporcionado por essas sociedades, e que tornaram as Marias o símbolo
do carnaval de Porto Alegre.
REFERÊNCIAS
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Sexo na Grécia Antiga. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
[1] O entrudo foi a maneira pela qual o carnaval chegou ao Brasil, através de
nossos colonizadores portugueses. Consistia no arremesso de limões de cheiro
(esferas de cera em formato de laranjas/limão que continham água perfumada),
água jogada de bisnagas, seringas, bacias e baldes, farinha, pó de arroz e
vermelhão. O objetivo era mesmo molhar e sujar o adversário. A licenciosidade,
contudo, era um dos principais argumentos de críticas ao entrudo e motivo para
que as sociedades carnavalescas o enterrassem de vez. O velho jogo “dá[va]
ao belo sexo o delírio das bacantes”[1], como afirmava Xicolomã, cronista do jornal A Reforma. A Reforma, Porto Alegre, 18 de fevereiro de 1875.
[2] No Rio de Janeiro, na segunda
metade do século XIX, surgiu a primeira Grande Sociedade Carnavalesca. Fundada
pela elite cariosa, saía em cortejo nas ruas com fantasias luxuosas, ao estilo
do carnaval europeu. José de Alencar, sócio fundador das Sumidades
Carnavalesca, escreveu no do Jornal Gazeta Mercantil de 1855 que “ao invés do
passeio pelas ruas da cidade, os mascarados da Sumidades iriam se reunir do
Passeio Público e lá iriam passar uma tarde da mesma forma como se passa uma
tarde de carnaval na Italia, jogando confetes, distribuindo flores e intrigando
com suas máscaras conhecidos e amigos”(FERREIRA, 2005).
[3]Jornal do Commercio, Porto alegre, 18 de fevereiro
de 1882).
[4] O Independente, Porto
Alegre, 9 de março de 1905..
[5] No carnaval de 1909, a sociedade
Esmeralda comparava a sua rainha a Nossa Senhora em versos que eram
distribuídos à população durante seu préstito: “Vai passar a Rainha – a nossa Grã
Senhora,Virgem Nossa Senhora Imaculada e Casta - qual a santa de um ádro, ao
resplendor da aurora,Ou qual mago Santélmo a quem o mar se afasta!/Virgem Nossa
Senhora Aparecida em vasta, Nuvem d’ouro e de sonho a qual o sol rubora, Virgem
Santa Maria, a cujos pés se arrasta, A multidão que geme e a Sua Graça
implora.../Virgem Santa do Céu! Como ela é bela e moça, E como, feito d’alma, o
seu olhar se adoça, E se expande e se estende e sobre nós se reflora!/Ei-la!...
Deixem passar o seu ardor singelo! Abram alas!... Avante, ó devotos do belo:Vai
passar a Rainha – a Nossa Grã Senhora!” A Federação,
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 1909.
[6] O Independente,
Porto Alegre, 09 de março de 1905.
[7] O Independente, Porto Alegre, 09 de março de 1905.
[8] Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de fevereiro de
1910.
[9] O Independente, Porto Alegre, 12 de março de 1908.
[10] Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de fevereiro de
1910.
[11] Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de fevereiro de
1910.
[12] Correio do Povo, Porto Alegre, 10 de março de 1908.
[13] Correio do Povo, Porto Alegre, 17 de fevereiro de
1907.
[14] A Federação, Porto Alegre, 20 de fevereiro de 1912.
[15] O jornal A Reforma foi
fundado em 1862 em Porto Alegre por Gaspar da Silveira
Martins e Antônio Eleutério de Camargo. Foi o órgão oficial do Partido
Liberal gaúcho. Já o Riograndense era o jornal oficial do
Partido Conservador e oficial do governo (FRANCO, 2006).
[16] A Reforma, Porto Alegre, 15 de fevereiro de 1871.
[17]Jornal
do Comércio, Porto Alegre, 28 de fevereiro de 1900.
[18] A Federação, Porto Alegre, 17 de fevereiro de 1904.
[19] A Federação, Porto Alegre, 20 de
fevereiro de 1910.
[20] A Federação, Porto Alegre27 de fevereiro de 1911.
[21]Correio do Povo,
Porto Alegre, 09 de fevereiro de 1907.
[22]Correio do Povo,
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 1971.
[23] Entre os fundadores do Partido
Republicano Riuograndense (PRR) se encontra Ramiro Barcellos, presidente da
sociedade Esmeralda em 1883.
[24] Correio do Povo, Porto Alegre, 12 de março de 1918.
[25] Promoção de Amphilóquio do
Azevedo, major do quadro
especial do estado-maior, a tenente do coronel o do estado maior.
Diário
Oficial [da República
Federativa do Brasil], Rio de Janeiro, 01 de Outubro de 1912.
[26] “Código do Instituto· oficiais
de ensino superior e secundário aprovado pelo decreto n. 3.800 de 1º de abril
de 1901, e 286 do regulamento que baixou com o do n. 330 do 12 de abril de
1890, ao professor da Escola de Guerra tenente-coronel Amphiloquio de Azevedo e
acréscimo do 20 sobre os vencimentos lixados para aquele cargo, o qual
ser-lhe-ha abonado a contar de 28 de abril ultimo, visto haver completado na
véspera desse dia 20 anos de serviço no magistério”. Diário Oficial [da
República Federativa do Brasil], Rio de Janeiro, 18 de Setembro de 1909,
pg. 3.
[27] Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Rio de Janeiro, 18 de Dezembro de 1900, pg.2.
[28] RIO GRANDE DO SUL (ESTADO).
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 92ª Sessão Ordinária, 18 de Novembro de 2004. Disponível em https://web.archive.org/web/20060210152039/http://www.al.rs.gov.br/plen/SessoesPlenarias/visualiza.asp?ID_SESSAO=247.
[29] O Independente, Porto
Alegre, 22 de janeiro de 1911.
[30]
Promoção do tenente-coronel João Leocádio Pereira de Mello a comandante. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Rio de Janeiro, 16 de Junho de 1901, pg.1. Ele também foi comandante do
10º Batalhão de Engenharia de Construção, entre dezembro de 1895 e março de
1898.
[31] A Federação, Porto Alegre, 21 de fevereiro de 1910.
[32] Diário Oficial [da República Federativa do Brasil],
Rio de Janeiro, 25 de Julho de 1909, pg.5.
[33]Correio
do Povo, Porto
Alegre, 11 de fevereiro de 1908.
[34] ATA da S. C. Esmeralda. Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 25 de fevereiro de 1907.
[35] Jornal do Comercio, Porto Alegre, 14 de fevereiro de 1907.