O baile da Esmeralda em 1882: quando a bisnaga salvou a folia


Em fevereiro de 1882, o Jornal do Comércio, na coluna Folhetim, registrou com humor e riqueza de detalhes o baile promovido pela Sociedade Carnavalesca Esmeralda, uma das mais tradicionais de Porto Alegre. O relato revela não apenas os costumes da elite carnavalesca da época, mas também a tensão entre o refinamento dos salões e a irreverência do Entrudo — que, naquele ano, invadiu o baile com força.

A noite começou morna. “Parecia que no grande seio daquela imensa sociedade bailante faltava alguma cousa de real e importante. O que era? Ninguém sabia, ou antes, ninguém se atrevia a dizer.” A música soava sem cadência, os cavalheiros estavam contrariados e as senhoras inquietas. O baile, segundo uma jovem, estava “tão insípido”, e outra completava: “O do ano passado esteve muito melhor; mais animado, mais bonito...”

Foi então que uma senhora mais velha, “gorda e folgazona”, revelou o mistério: “É a bisnaga!!...” A palavra ecoou pelo salão como “o som de um brônzeo sino”, e com ela, a transformação. A bisnaga — instrumento típico do Entrudo, usado para esguichar água perfumada — entrou em cena e, com ela, a folia se completou: “Entrudo e carnaval davam-se as mãos e a folia era completa!”

O texto descreve com ironia o caos que se seguiu. O pó de arroz e o arrebique das damas foram alvejados pela “água perfumosa de cenoura de metal”, e os lenços de cambraia ficaram “ensopados de uma tinta cor de rosa à semelhança do carmim”. Até os mais velhos se entregaram à brincadeira, com entusiasmo quase juvenil: “Ora, sempre é uma cousa notável o amor que têm os velhos ao entrudo!”

A cena final é digna de uma comédia carnavalesca: uma moça, antes apenas observadora, desce da janela para molhar um rapaz de bigodes grandes. “Ah! Que combate!... Ambos ficarão como dois pintinhos...”

Esse episódio revela como o Carnaval porto-alegrense do século XIX era marcado por tensões entre o desejo de sofisticação e a força irresistível da brincadeira popular. A bisnaga, símbolo do Entrudo, não apenas animou o baile — ela o resgatou.


🔗 Continue explorando as Cenas do Carnaval de Porto Alegre

O baile da Esmeralda em 1882 é apenas um dos muitos episódios que revelam a riqueza e a irreverência do Carnaval porto-alegrense. Se você gostou dessa história, não deixe de conferir outros momentos marcantes:

🎭 O Primeiro Baile de Máscaras – Parte I a V – A origem da tradição dos salões carnavalescos.

💧 A Esmeralda e o Aguaceiro no Carnaval de Porto Alegre – Quando a chuva virou personagem da fest

🧓 Seu Mingote, não me bisnague assim! – Um retrato bem-humorado da folia e seus excessos.

🎬 Cinema e Carnaval em Porto Alegre – Como a sétima arte retratou a festa na cidade.

🧒 Petit Momo – o carnaval da criançada – A alegria dos pequenos foliões.

Cada postagem revela um aspecto único da festa, seja nos salões, nas ruas ou nas memórias que resistem ao tempo. Mergulhe nessa viagem e descubra como o Carnaval moldou — e continua moldando — a cultura popular de Porto Alegre.