No carnaval de Porto Alegre, no ano de 1882, o Jornal do Commercio, na coluna
Folhetim, retratava o baile dado pela sociedade carnavalesca Esmeralda.
Quando rompeu o baile, a animação ainda não tinha começado, parecia que no
grande seio daquela imensa sociedade bailante faltava alguma cousa de real e
importante. O que era? Ninguém sabia, ou antes, ninguém se atrevia a dizer.
[...] O que ninguém poderia notar era o que faltava á esmeraldina nessa
noite de burlesco
Entretanto, faltava-lhe sempre alguma cousa, muita cousa, tudo, enfim!
Mas o que que era?
As senhoras estavam inquietas. Os cavalheiros se mostravam contrariados e
a própria música ressentia-se do som, de harmônia e de cadência!
-Estou achando tão insípido este baile, Candinha!... dizia uma jovem de
vestido branco de cambraia, para outra, que trajava musselina.
- É verdade, Mimosa, também eu! O do ano passado esteve muito melhor;
mais animado, mais bonito... Não sei o que é isto este ano!
- É porque falta alguma cousa, disse uma senhora dos seus cinqüenta anos,
gorda e folgazona. E vocês não sabem o que falta?
Não titia, o que é? Interrogarão as duas ao mesmo tempo.
-É a bisnaga!!... E a palavra bisnaga repercutiu por todo aquele
vastíssimo salão, á semelhança do som de uma brônzeo sino!
D’aí a momentos, e como por encanto, a bisnaga havia entrado no salão!
Entrudo e carnaval davam-se as mãos e a folia era completa!
O pó de arroz e o arrebique principiarão a ser vitimas da água perfumosa
de cenoura de metal. Dentro de poucos instantes os lencinhos arrendados de cambraia estavam ensopados de uma tinta
cor de rosa á semelhança do carmim! Repentinamente todas aquelas jovens ficarão
pálidas como o jasmim.
A rapaziada preferia a dança ao
entrudo, cercava o madamismo e esgotava em doçuras a amabilidades o
vocabulário do amor.
-Minha senhora! V. Ex. é a esfinge deste salão!... disse um dengoso e
arrebicado jovem a uma linda e encantadora menina, a quem oferecia o braço.
- Oh! Quem dera que o fosse! Respondeu a donzela.
A esfinge! Passa fora! Articulou Fr. Martinho, que andava por ali a meter
em tudo o seu nariz.
A velhada, ao ouvir falar em bisnaga, pôs-se em campo!
Ora, sempre é uma cousa notável o amor que têm os velhos ao entrudo!
Frios, sem fogo, sem calor algum, eles (os velhos) contentam-se em resfriar as
damas, atirando-lhes muitas e repetidas bisnagadas!
Fazia gosto ver a velhada como achava influída! Lá estava um, e este era
bem velho, de bisnaga em punho, que seria mais fácil encontrar no espaço uma
estrela ao meio dia do que um fio de cabelo preto em sua vasta cabeleira!
E como se influía ele para as meninas! Vejam lá se procurava as senhoras
da sua idade!...
- O Dedê! Aquele velho não enxerga, não é?
-Foi ele que te molhou, Candinha?
-Foi. Ora veja... E que bisnaga que tem ele! Aquilo é um barril de água,
Dedê!... Ai, meu Deus! Aí vem ele!...
Diga pra ele que vá molhar D. Fifinha, que é da sua idade. Ora esta! Que
mania! Estes velhos quando dão para...
E não acabou a frase porque um grupo de rapazes a acometeu com bisnagas.
Os velhos andarão n’um sarilho. Um deles, e este então era o mais
influído, meteu-se por detraz de uma coluna e dava bisnagadas a valer!
Outro,corria daqui para ali, no meio do salão, e parecia mesmo que tinha
perdido a cabeça, tão louco ou alucinado se achava!
Um outro, ficou tão cego no frenesi das molhadelas, que deu uma grande
bisnagada no frade, pensando que era mulher!
Até uma moça que estava da parte de fora, debruçada na janela, não
contente de estar ali a bisnagar a humanidade que passava, não pode conter-se e
veio ao salão molhar um moço de bigodes grandes, que dançava...
Ah! Que combate!... Ambos ficarão como dois pintinhos...